Bisneto
de família de pecuaristas, o presidente da
Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho
da Silva, empolga-se quando o assunto é índice
de produtividade da terra e, por consequência,
reforma agrária. Na primeira semana de setembro,
mesmo com a agenda repleta de compromissos durante
a Expointer, uma das maiores feiras agropecuárias
da América Latina, em Esteio (RS), Ramalho
da Silva, 65 anos – 45 deles na lida no campo,
dedicou seu tempo para expor o ponto de vista da SRB
sobre o assunto.
Em tempo: o tema reforma agrária voltou à
tona depois de pressão dos movimentos sociais,
diga-se trabalhadores rurais sem-terra (MST), que
cobram promessas de campanha do governo Luiz Inácio
Lula da Silva. O porta-voz do setor, o ministro do
Desenvolvimento Agrário Guilherme Cassel, alegou
recentemente que está para ser publicada uma
portaria interministerial (do Desenvolvido Agrário
e da Agricultura) com novos índices de produtividade.
Só faltaria a assinatura do titular da Pasta
da Agricultura, Reinhold Stephanes, e o referendo
do Conselho Nacional de Política Agrícola.
Os produtores rurais protestaram, argumentando que
exigir que o agricultor produza ainda mais em 80%
do total de suas áreas aproveitáveis
é incompatível com o atual quadro de
crise global. Ramalho da Silva alega que a discussão
sobre o assunto chega em momento dos mais inconvenientes.
“O mundo vive uma crise. O campo também
vive uma crise, uma crise de renda, que vai se perpetuando.
Debater índice de produtividade agora traz
muita intranquilidade para o agricultor”, afirma.
Mas não é só isso. O presidente
da SRB observa que o conceito de medir a produtividade
para fins de reforma agrária está completamente
ultrapassado e não reflete mais a realidade
do País. Por isso, é contra todo e qualquer
tipo de índice. Além do mais, de acordo
com ele, comércio, indústria e serviços
não têm indicadores a cumprir.
Um
novo conceito de medição
Cesário
Ramalho da Silva explica que, quando foi instituído,
em 1975, o atual índice de produtividade
até podia fazer sentido, pois havia concentração
de terras, que eram consideradas como um dos únicos
fatores de produção, além
de representar poder para quem as detinha. “Hoje,
o produtor não precisa mais da terra para
produzir, basta arrendar. A terra não é
mais o principal fator de produção
e, sozinha, não serve para nada. Hoje importa
a tecnologia, a gestão eficiente da propriedade,
o manejo correto dos recursos naturais. Não
podemos ficar reféns de políticas
e ideologias superadas”, declara.
Na defesa do índice, o Ministério
de Desenvolvimento Agrário divulgou que
a meta de produtividade proposta está bem
abaixo da média alcançada pelos
agricultores em anos recentes. “O produtor
não tem medo de índices. O Brasil,
aliás, produz safras de grãos com
rendimento muito acima da média mundial.
A preocupação é que a esquerda
anarquista, superada e vencida, vive da discussão
dessa questão. São cabeças
retrógradas que querem inverter a ordem,
desestabilizando quem pretende produzir”,
ressalta. |
Cesário
Ramalho da Silva |
A intranquilidade no campo poderia fazer estragos
no setor agropecuário, responsável por
26,5% do Produto Interno Bruto (PIB), 36,3% das exportações
e 37% da força de trabalho do País,
conforme alertou a Confederação da Agricultura
e Pecuária do Brasil (CNA) e a Organização
das Cooperativas Brasileiras (OCB), por meio de ofício
protocolado no Palácio do Planalto no dia 31
de agosto e encaminhado ao presidente Lula. “O
governo não pode mexer com sua galinha dos
ovos de ouro”, diz Ramalho da Silva. “O
potencial agropecuário do Brasil é inesgotável.
Estamos apenas no meio do caminho, depois que descobrimos
a tecnologia de produção nos trópicos
graças aos estudiosos de instituições
de pesquisa como a EMBRAPA. Não há mais
espaço para a ineficiência”, garante.
De acordo com Ramalho da Silva, o campo precisa de
investimentos em recursos, inteligência e pesquisa
para continuar a produzir sem subsídios e para
dar suporte ao crescimento do País. “Estamos
brigando e ganhando nos grandes fóruns internacionais,
como a OMC, e querem inibir o nosso progresso”.
Nesse sentido, lideranças do setor rural defendem
um novo conceito de medição, que contemple
as diferentes características de solo, clima,
nível de tecnologia e situação
do mercado de cada propriedade.
Movimentos
sociais já contam com 80 milhões de
hectares
O
presidente da SRB afirma que os casos de propriedade
improdutiva no Brasil, se existirem, são isolados.
“O poder público tem autoridade para
fazer a desapropriação ou até
mesmo elevar a cobrança de impostos”.
Mesmo assim, o dirigente acredita que os movimentos
sociais já contam com suficiente volume de
terra para produzir, que seria da ordem de 80 milhões
de hectares. Estima-se que a agricultura empresarial
ocupa hoje cerca de 65 milhões de hectares.
A CNA e a OCB calculam que já há estoque
de áreas disponíveis para a reforma
agrária, sem necessidade de promover desapropriações.
Dados do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA), apresentados pela
CNA e OCB, indicam a disponibilidade de 1.345 milhão
de hectares para o programa de redistribuição
de terras.
A Comissão Pastoral da Terra saiu em defesa
da atualização dos índices de
produtividade por meio de nota pública, na
qual conclui que por trás da revolta dos ruralistas
“está o intento de preservar o latifúndio
improdutivo das empresas nacionais e estrangeiras,
desconsiderando a função social da propriedade”.
Ramalho da Silva rebateu a iniciativa dos religiosos.
“Sou católico, mas devo admitir que esse
tipo de atitude fomenta o atraso. Sabemos que a pobreza
existe. O trabalho dos agricultores, com investimento
e renda, pode contribuir para eliminar o problema.”
A solução para a polêmica está
agora nas mãos do presidente Lula. Conforme
Ramalho da Silva, “o presidente já deu
inúmeras mostras de equilíbrio e cautela”.
O ministro Stephanes, por sua vez, “tem se preparado
para o debate com forte apoio de seu partido, o PMDB.
Outros ministros, e até secretários
de Estado do próprio PT, têm recomendado
que Stephanes não assine a portaria”,
conclui.
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