No
dia 20 de junho deste ano, teve lugar, na sede da
Coopercanol, em Varre-Sai, noroeste do Rio de Janeiro,
um evento para comemorar o que é considerado
o primeiro passo de um grande projeto de revitalização
da cafeicultura fluminense. A Secretaria de Agricultura
do Estado do Rio de Janeiro, representada pelo próprio
titular da pasta, Christino Áureo, doou à
Coopercanol uma máquina volante de beneficiamento
de café, marca Pinhalense, avaliada em 250
mil reais. O secretário prometeu entregar outro
modelo, similar, dentro de alguns meses. A máquina
tem uma tecnologia que permite, além do beneficiamento
convencional, separar o café por peneiras (tamanho
dos grãos), facilitando o trabalho posterior
de padronização, que é a última
etapa na preparação do café para
sua venda ao exterior ou ao mercado interno.
Além do secretário e do sub-secretário,
Alberto Bonfati, participaram do evento o presidente
da Associação de Cafeicultores do Rio
de Janeiro (ASCARJ), Efigênio Salles; o superintendente
do Centro de Comércio de Café do Rio
de Janeiro, Guilherme Braga Neto; o prefeito de Varre-Sai,
Everardo Ferreira (PP); José Ferreira Pinto,
representante do Ministério da Agricultura;
Marcio Vargas, diretor da Coopercanol; e Jean Samel
Rocha, presidente da Cooperafa. Cerca de duzentos
produtores da região compareceram à
solenidade.
Secretário
de Agricultura RJ, Christino Áureo
e Prefeito de Varre-sai, Everardo Ferreira |
Efigênio
Salles, presidente da Ascarj |
Christino Áureo comprometeu-se pessoalmente
a concretizar o projeto de transformar o armazém
da Coopercanol no primeiro grande módulo de
rebeneficiamento de café do Rio de Janeiro,
com capacidade para processar a produção
total do estado. Em declaração à
Revista do Café, Áureo afirmou que “a
Secretaria está comprometida com a realização
do projeto”.
O módulo de rebeneficiamento, que é
o eixo central de um projeto a ser financiado –
a fundo perdido – pelo BNDES, através
de uma linha tipo DRS (Desenvolvimento Regional Sustentável),
suprirá a principal carência da cafeicultura
fluminense, o ponto-nevrálgico dos problemas
que ela vem enfrentando nos últimos anos, possibilitando
– essa é a esperança de todos
– uma recuperação do volume de
produção num estado que goza de um consumo
doméstico de quase 2 milhões de sacas.
Cooperativa
de Itaperuna incorpora a Coopercanol
A
viabilização do projeto só foi
possível através de uma hábil
articulação política entre as
diversas instituições interessadas no
projeto, e, sobretudo, pela incorporação
da Coopercanol, que enfrentava problemas fiscais,
pela Cooperafa, sediada na vizinha Itaperuna, que
conta com uma moderna e competente administração,
além de excelente saúde fiscal e financeira.
Com esses projetos, a sofrida cafeicultura fluminense
– cuja produção não passa
de 1% do total colhido no país e, apesar disso,
é a maior empregadora e a principal atividade
de muitos municípios do norte do estado –
começa a olhar o futuro com um pouco menos
de pessimismo. Devido à ausência de um
módulo de rebeneficiamento, o café produzido
no Rio é hoje beneficiado em outros estados,
para onde não raramente é levado de
forma clandestina. As consequências para a atividade
são desastrosas. Citamos algumas:
1)
A produção não é computada
no estado, gerando distorções estatísticas
que prejudicam o repasse de recursos oficiais para
a cafeicultura fluminense. Estima-se que aproximadamente
um terço da produção fluminense
seja registrada como de Minas Gerais ou Espírito
Santo. A Conab estima que o Rio de Janeiro deve produzir
265 mil sacas este ano, o que representaria 0,7% da
produção nacional. Alguns especialistas
acreditam, no entanto, que este volume poderia subir
até 350 mil sacas, se existisse uma estrutura
de rebeneficiamento no estado, apenas com o “reajuste”
estatístico.
2) O café é comprado por atravessadores
pouco profissionais, que pagam preço abaixo
do mercado, criando um ambiente de negócios
viciado e clandestino, sem emissão de notas
fiscais - trazendo prejuízo para a receita
do estado e dos municípios, e, mais uma vez,
reduzindo a visibilidade da atividade nos mapas econômicos
que as autoridades usam para elaborar políticas
públicas.
3) Há grande prejuízo para as torrefadoras
instaladas no Rio, obrigadas a comprar 90% de sua
matéria-prima em outros estados, o que implica
em pagamento adiantado dos impostos correspondentes
– enquanto indústrias concorrentes com
sede em São Paulo, Minas ou Espírito
Santo, ao adquirirem café em seus próprios
territórios, tem liberdade para pagar o ICMS
com 30 dias ou mais de prazo. Essa vantagem fiscal,
para um setor com graves problemas de capital de giro,
é apontada como um dos fatores que tem levado
as torrefadoras fluminenses a perderem cada vez mais
mercado para concorrentes de outras unidades federativas.
O
pouco volume produzido no estado, no entanto, não
anima o setor privado a investir num centro de rebeneficiamento,
pois somente o poder público poderia suprir
essa lacuna. Em função do largo espaço
de tempo necessário entre o investimento e
seu retorno financeiro ao investidor, os recursos
teriam que ser a fundo perdido, sob a rubrica de verbas
destinadas ao desenvolvimento social. Não é
muito dinheiro, todavia. A instalação
de um moderno módulo de rebeneficiamento é
orçada em 1,3 milhão de reais. O Banco
do Brasil tornou-se operador do projeto, que está
sendo formatado para uma linha de financiamento do
BNDES do tipo DRS (Desenvolvimento Regional Sustentável).
João Edson Mendes Viana, gerente-geral da agência
do Banco do Brasil de Varre-Sai, enviou-nos o texto
do projeto, que tem como parceiro diversas instituições,
como a Secretaria de Agricultura do Estado do Rio,
a prefeitura de Varre-Sai, as cooperativas envolvidas
e a Associação de Cafeicultores do Estado
do Rio de Janeiro (ASCARJ).
As máquinas volantes de beneficiamento (um
beneficiador instalado sobre a carroceria de um caminhão)
doadas pela Secretaria de Agricultura integrar-se-ão
ao módulo de rebeneficiamento instalado no
armazém da Coopercanol. Como a maioria dos
produtores da região do norte-fluminense não
possui equipamento de beneficiamento, existem maquinistas
independentes que percorrem as propriedades para fazer
o serviço, cobrando um taxa. Conforme acertado
entre a Secretaria e a Coopercanol, a nova máquina
volante irá realizar o serviço para
seus associados pela metade do preço praticado
no mercado, que é equivalente a 1,5 kg de café
beneficiado.

Banco
do Brasil financiará cafeicultores
O projeto, no entanto, não termina com a instalação
do módulo de rebeneficiamento. Segundo o gerente
do BB de Varre-Sai, a Fundação do Banco
do Brasil deverá destinar, também ainda
este ano, cerca de 216 mil reais para projetos relacionados
à atividade cafeeira nas áreas adjacentes
ao município. Provavelmente voltará
a investir a mesma verba nos anos seguintes, mas focando
em outras cidades cafeeiras da região. João
Viana informa que o café responde por 80% da
economia de Varre-Sai, e que o banco destina, anualmente,
cerca de 10 milhões de reais em financiamentos
à atividade cafeeira do município e
entorno. “Se a produção aumentar,
elevamos também o nível dos financiamentos.
O Banco do Brasil tem interesse em expandir o crédito”,
explica. Os restantes 20% vem, principalmente, da
produção de leite, milho e feijão.
Viana explica que há grande possibilidade dos
recursos do BNDES serem liberados ainda este ano,
e que a equipe gerenciadora do projeto irá
acompanhar todas as etapas da atividade produtiva,
para que a meta principal – melhorar a renda
do produtor – seja efetivamente alcançada.
A Revista do Café, que cobriu o evento em Varre-Sai,
entrevistou alguns produtores presentes, como Paulo
Fernando Degri, que trabalha com café há
12 anos. Ele produz 200 sacas por ano, em média,
e também possui, como é comum na região,
um pouco de gado leiteiro. A variedade predominante
na região, segundo Degri, é o Catuaí
- Icatu. Ele obtém uma produtividade de cerca
de 18 sacas por mil pés, mas admite que a atividade
não está sendo satisfatória.
“O custo está muito alto”, reclama
Degri, que também culpa o desequilíbrio
entre o aumento do salário mínimo e
a evolução do preço do café.
Mas também admite que, no seu caso (que é
o caso da grande maioria), a mão-de-obra não
pesa tanto, porque é exclusivamente familiar.
“O que pega mesmo é custo com adubo e
defensivo”, diz Degri.
Degri está otimista, todavia, que a revitalização
da Coopercanol, agora incorporada à Cooperasa,
irá trazer benefícios aos cafeicultores.
Além do módulo de rebeneficiamento,
a nova cooperativa contará com escritório
de comercialização de café, adquirindo
café da região a preços de mercado.
Ele explica que o produtor na região depende
muito de intermediários, que ditam os preços,
e que a cooperativa irá servir para balizar
os preços na região, impedindo que os
produtores vendam seu café a preços
abaixo do nível praticado no mercado nacional.
A cafeicultura do noroeste fluminense encontra ainda
outra dificuldade, a questão fundiária.
Degri informa que sua propriedade tem cinco hectares,
boa parte deles ocupado com mata nativa, que não
pode cortar por causa da legislação
ambiental. Por falta de espaço, portanto, ele
não pode aumentar a sua produção;
sua única saída para aumentar renda
é elevar a produtividade e obter preços
melhores.
Despolpamento:
melhoria da qualidade
Marcio
Vargas, presidente da Coopercanol, é um produtor
atípico na região. Colhe de 1.200 a
1.600 sacas por ano, e despolpa parte de sua produção.
Ele estima que Varre-Sai produz cerca de 5 mil sacas
por ano de café despolpado. O alto índice
de chuva da região, explica Vargas, dificulta
a obtenção de qualidade, de forma que
o sistema de cereja descascado, ou despolpamento,
é o destino obrigatório de todo produtor
que almejar um café de qualidade. Cerca de
80% do café produzido no noroeste fluminense
é vendido sob a classificação
de bebida rio, que registra um deságio em relação
aos arábicas produzidos em outras regiões
do país – apesar de ser fortemente apreciado
em diversos países do oriente médio
e leste europeu e apesar do Brasil ser o único
e exclusivo fornecedor desta qualidade.
José Luiz Abreu Diniz, secretário de
agricultura de Varre-Sai, informa que o município
tem 700 produtores cadastrados, espalhados em 4.600
hectares, com uma produção estimada,
para 2009, de 70 a 100 mil sacas. A maioria dos proprietários
trabalha com o sistema de parceria, ou meeiro.
Na palestra que fez aos produtores, Christino Áureo,
secretário de Agricultura, informou que o governo
já obteve 20 milhões de reais para recuperar
as estradas vicinais da região noroeste do
estado. Este é um problema que prejudica muito
a economia da região. Os compradores de produtos
de Varre-Sai usam este argumento para obter descontos.
Alegando custo alto no frete, convencem os produtores
a venderem seu café com deságio. Áureo
disse que o governo do estado se compromete a recuperar,
até o final de 2010, metade de todas as estradas
vicinais da região, e a totalidade das mesmas
até 2015.
Outra medida anunciada por Christino Áureo,
durante o evento realizado em Varre-Sai, que deverá
ajudar substancialmente a economia da região,
é a decisão do governador Sérgio
Cabral de autorizar um novo pacote tributário
com isenção total de ICMS para o leite.
O secretário lembrou que o Rio de Janeiro possui
um enorme mercado de consumo, com 16 milhões
de habitantes. E observou que o potencial da agricultura
fluminense reside não tanto no aumento da quantidade
produzida, mas sobretudo na melhoria da qualidade,
conquistando o cobiçado nicho de produtos especiais.
Segundo Silvio José Elia Galvão, presidente
da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio
de Janeiro (PESAGRO), a região noroeste do
estado não tem alternativas econômicas
ao café – não no curto ou médio
prazo, ao menos, em virtude da topografia acidentada.
“A vocação é mesmo o café”,
afirma Galvão.
Segundo fontes do BB, o projeto chega à mesa
do BNDES neste segundo semestre. Áureo afirmou
que o governador está empenhado pessoalmente
na sua concretização, citando-o, inclusive,
como prioridade, em reunião realizada em julho
com a presidência do BB e do BNDES. Agora, como
disse o jogador após dar um chutão lá
do meio de campo, é esperar pra ver.
|