As
fazendas cafeeiras de Minas Gerais, durante o século
XIX, foram instaladas próximas à divisa
com a província do Rio de Janeiro, na chamada
Zona da Mata, assim denominada pelos mineiros por
ser uma região sem interesse para a exploração
de ouro ou pedras preciosas. Constituía-se
tão somente de matas virgens, até a
construção do caminho novo, no final
do século XVIII, ligando o Rio de Janeiro a
Juiz de Fora, e sua consolidação, com
a abertura da estrada União Indústria,
em 1862.
Ali, à margem esquerda do rio Preto e seu afluente,
o Paraibuna, foram surgindo as primeiras fazendas
de café, curiosamente nas mãos de mineiros
que já tinham propriedades no Rio de Janeiro
e que, a partir da segunda metade do século
XIX, para lá se deslocaram, assim como de fazendeiros
da região.
Na época, essas terras pertenciam ao município
de Juiz de Fora, que foi, até o final do século,
responsável pela maior produção
de café de Minas Gerais, com muitos fazendeiros
premiados em exposições internacionais.
Em 1873, a construção do ramal da estrada
de ferro D. Pedro II para a cidade foi fundamental
para o escoamento do café de Mar de Espanha,
São João Nepomuceno, Santana do Deserto,
Espírito Santo do Mar de Espanha (Guarará)
e Sarandira, pela estação de Serraria.
A fazenda Santa Sophia, localizada em Santana do Deserto,
faz parte dessa história de glórias.
Seu fundador foi Camilo Ferreira Armond, futuro conde
de Prados, filho do barão de Pitangui (Marcelino
José Ferreira Armond) e de d. Posidônia
Eliodora da Silva, de uma família abastada
de Barbacena. Nascido em 1815, Camilo fez seus primeiros
estudos no Colégio do Santuário do Caraça
e, em seguida, transferiu-se para a França,
onde se graduou em medicina na Universidade de Sorbonne.
Retornando ao Brasil, foi exercer a profissão
no Rio de Janeiro. É provável que a
casa de moradia tenha sido construída após
o casamento de Camilo com d. Josefina Cândida
Gomes de Souza, que fez construir a fazenda Santa
Sophia, finalizada em 1855.
O que impressiona na fazenda é seu estado de
conservação, tanto da sede como do restante
do conjunto arquitetônico, que inclui terreiros
de secar café, senzalas (somente uma parte
foi demolida), engenhos de café e cana, serraria,
tulhas e enfermaria de escravos – o quadrilátero
(funcional) de trabalho completo –, além
de uma escola para os filhos dos cativos.
O interior da casa guarda um grandioso acervo de memória
da família, com um mobiliário majestoso
e fotos das gerações que ali viveram.
A sala de visitas preserva um piano de cauda da marca
Hoffman e telas a óleo do conde e condessa
de Prados. Dos cômodos, o que mais impressiona
é a fabulosa biblioteca, que revela o nível
cultural da família Armond, abrigando não
só livros de medicina, profissão do
proprietário da fazenda, mas também
de literatura, advocacia, e revistas francesas, assinadas
por muitos anos.
Construída em forma de “U”, a entrada
da casa é bastante peculiar. Com um pequeno
recuo no centro da fachada, do lado esquerdo encontra-se
a entrada da pequena capela consagrada a Santa Sophia,
e o lado direito dá acesso a uma pequena saleta,
a qual originalmente devia servir para receber visitas
pouco íntimas, que não podiam ver os
outros membros da família, indo hospedar-se
em um quarto anexo. A saleta ainda tem outra porta,
levando à sala de visitas, mas por ela só
devia passar a família e os amigos mais chegados.
Mas, em uma casa mineira, como esquecer a cozinha?
Ali se encontra o fogão a lenha original, que
ainda funciona, os armários guarda-louça
de canto, uma mesa e a enorme caixa d’água,
com uma tubulação que passa pelo fogão
e aquece a água da cozinha e do banheiro.
O gentil herdeiro, sr. José Henrique, nos saúda
com a maravilhosa comida mineira e um sorriso. Anexa
à cozinha, vemos a despensa, com suas enormes
latas de mantimentos e outros utensílios, um
verdadeiro deleite para quem aprecia a história
e as tradições.
A fazenda Santa Sophia, no auge da produção,
chegou a produzir 25 mil arrobas de café, e
o número de escravos alcançou cerca
de oitocentos.
Para terminar, é importante dizer que uma fazenda
de café com mais de 150 anos não poderia
estar tão bem preservada se tivesse passado
por muitas mãos após a decadência
cafeeira, tanto no Vale do Paraíba fluminense
como em suas proximidades. Além disso, apesar
de todas as dificuldades enfrentadas hoje pelo descendente
do conde de Prados, o sr. José Henrique, seu
orgulho em relação aos parentes distantes
e sua tenacidade em manter viva essa história,
guardando inúmeras cartas, notas fiscais e
documentos da época, são um verdadeiro
alento para aqueles que lutam pela preservação
das fazendas de café.
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