A
recente decisão da Bolsa de Nova York (ICE
Futures US Inc.), em maio passado, de retomar o exame
sobre a inclusão do despolpado brasileiro no
Contrato “C”, suscitou mais uma vez forte
reação de entidades de países
como Colômbia, México e Guatemala sob
o costumeiro argumento de que o Brasil, uma vez incluído
no contrato, se tornaria um grande produtor desses
cafés, o que acarretaria em queda dos preços
negociados na Bolsa. Devido a isso, segundo essas
entidades, os seus pequenos produtores seriam levados
à ruína e, consequentemente, conduzidos
ao cultivo de drogas.
Tais pressupostos carecem de qualquer base técnica,
ofendem a inteligência alheia e resumem-se a
uma tentativa espúria de deslocar a discussão
do plano comercial para o político, explorando
a sensível questão do combate às
drogas que, todos nós sabemos, é um
viés de grande sensibilidade aos norte-americanos.
A iniciativa da ICE, sponte própria, como informado
na nota veiculada em seu site na qual convida os participantes
do contrato a se manifestar, está fundamentada
em algumas premissas básicas. A primeira é
a de que os estudos técnicos já realizados
pela NYBOT/ICE confirmam que o despolpado brasileiro
atende às especificações do contrato,
não havendo a necessidade de alteração
de suas regras para que a inclusão se materialize.
A segunda é a constatação do
consistente crescimento dos despolpados brasileiros
no mercado mundial e sua larga aceitação
pelos compradores ao longo dos últimos anos.
Sobre esse aspecto cabe mencionar a pesquisa NCA 2010
Drinking Trends, item Perception – Top Five
Countries Associated with Producing High Qualities
Coffee, na qual o Brasil aparece com 95% de percepção,
em terceiro lugar, abaixo da Colômbia e do Hawaii,
mas antes da Costa Rica e dos demais 17 produtores
de washed arabicas que participam do Contrato “C”.
Embora não mencionada na nota, evidencia-se
a subjacente intenção da Bolsa de restaurar
a representatividade do Contrato “C” na
formação dos preços mundiais
dos cafés arábicos lavados e de preservá-lo.
Como é notório, os recuos de produção
de cafés arábicos lavados, sobretudo
na Colômbia, causaram um “descolamento”
entre as cotações da Bolsa e os preços
do mercado físico, que se mostram muito acima.
Isto explica o fato de que há cerca de 20 meses
não se certifica nenhum lote novo, frustrando
a função principal da Bolsa, que é
a de proteção de preços. Portanto,
sem a possibilidade da realização de
hedges, as suas operações tendem a se
resumir ao price fixing e de arbitragem, trazendo
maior volatilidade aos diferenciais, principalmente
em relação aos próprios países
que integram o Contrato “C”, afetando
também os importadores.
Essas observações levam a algumas conclusões
inevitáveis. A primeira delas é a de
que, independente da inclusão ou não
dos despolpados brasileiros no Contrato “C”,
a preparação de cafés pela via
úmida no Brasil continuará a crescer,
podendo alcançar ao longo dos próximos
anos algo em torno de 15% a 20% da produção
de cafés arábicos. Desde 2004, quando
a proposta de inclusão foi feita, as exportações
de cafés preparados pela via úmida evoluíram
de 500 mil sacas para cerca de 3 milhões na
safra 2009/2010, próximo de 10% da produção
de arábicos. Portanto, equivocam-se aqueles
que acham que o aumento desse preparo no Brasil se
dará em função da inclusão
no Contrato. A tendência atual de expansão
continuará, em maior ou menor velocidade, enquanto
o mercado pagar prêmios para essas qualidades,
que obviamente cubram os custos de produção
adicionais.
A segunda conclusão diz respeito à preservação
do Contrato “C” como instrumento de formação
de preços dos cafés arábicos,
despolpados ou naturais. A continuidade do que hoje
presenciamos – a não-correlação
de suas cotações ao mercado físico
– compromete práticas de comercialização
de interesse de exportadores e importadores, assim
como as vendas de longo prazo. A perda de correspondência
entre o terminal e o físico poderá levar
à inviabilização do sistema de
price to be fixed.
Portanto, a questão extrapola em muito a abordagem
simplista que está sendo manifestada pelos
países produtores de cafés lavados.
Quando o conillon brasileiro, há 15 anos, passou
a ser entregue na Bolsa de Londres, ouviram-se as
mesmas restrições de que o gigante Brasil
iria inundar o mercado de robustas. O tempo passou
e mostrou que tais afirmações não
passavam de equívocos.
É fundamental destacarmos que o argumento da
droga já causou grandes prejuízos à
cafeicultura brasileira. O solúvel do Brasil
está submetido, na União Européia,
a uma tarifa discriminatória de 9,5% exatamente
por essa razão. Até quando o café
brasileiro será refém da droga?
Guilherme
Braga Abreu Pires Filho
Presidente do CCCRJ e Diretor Geral do CECAFÉ |