A
chegada dos primeiros imigrantes japoneses, em 1908,
foi um marco na cafeicultura brasileira, pois os recém-chegados
ajudaram a amenizar a aguda escassez de mão-de-obra
nas lavouras nacionais após a abolição
do trabalho escravo e, em anos posteriores, deixaram
uma marca indelével na sociedade nacional.
Menos conhecido, porém igualmente digno de
nota, no mesmo ano ocorreu o primeiro embarque de
café brasileiro para a terra do sol nascente.
Desde então, o estreitamento dos vínculos
entre os dois países deu ensejo a um vigoroso
comércio de café que tomou um vulto
muito além do que poderiam antever nossos antepassados
no começo do século XX.
Uma análise da trajetória do comércio
de café entre Brasil e Japão é
importante por razões que transcendem nosso
interesse pela história e pelas raízes
de nossa cafeicultura. A principal delas é
que o Japão pode nos fornecer pistas relevantes
sobre o futuro do café brasileiro, pois o aumento
do consumo mundial de café nas próximas
décadas dependerá significativamente
da incorporação de grandes contingentes
de novos consumidores em mercados emergentes, sobretudo
na Ásia.
Evolução
Embora o Brasil tenha assinado o Tratado de Amizade,
Navegação e Comércio com o Japão
em 1895, o intercâmbio comercial entre os dois
países começou de forma tímida.
Apenas em 1908, foi registrado o primeiro embarque
de café nacional para o Japão, um total
de 600 sacas. Na década seguinte, as exportações
de café para o Japão continuaram em
níveis modestos, embora com trajetória
ascendente. Já a década de 1920 foi
marcada por estagnação e retrocesso
por causa da débil evolução da
economia japonesa, que sofreu uma série de
choques: o rompimento de uma bolha especulativa em
1920; o Grande Terremoto de 1923; e novo crash da
bolsa em 1927. A partir de 1930, a economia japonesa
reavivou e a demanda japonesa por café aumentou
de forma sensível. Durante a década,
a média anual das exportações
brasileiras subiu para mais de 28 mil sacas, com o
volume máximo sendo registrado em 1937, quando
os embarques atingiram 61.030 sacas.
|
Essa
tendência promissora não se manteve.
Após a eclosão da Segunda Guerra
Mundial, o comércio entre os dois países
foi paralisado. A década de 40, mesmo após
o final da guerra em 1945, pode ser considerada
perdida para o café no Japão, e
as exportações brasileiras só
seriam retomadas em 1949. Na década seguinte,
a economia japonesa começou a estabelecer
as bases do extraordinário crescimento
registrado nos anos seguintes. As exportações
brasileiras de café começaram a
se recuperar, tendo atingido uma média
anual de quase 24 mil sacas, mas ainda sem igualar
os resultados registrados na década de
30. |
Na
década de 1960, apareceram os primeiros indícios
de que o Japão poderia se tornar um importante
mercado consumidor de café. O final da era
de reconstrução pós-guerra e
a expansão econômica trouxeram um incremento
notável na renda disponível do japonês
médio, que viu aumentado seu acesso a bens
não essenciais. A exportação
brasileira de café se beneficiou do ambiente
mais favorável, atingindo uma média
anual de 82 mil sacas.
A grande arrancada do mercado de café japonês
se deu entre 1970 e 1990, quando o consumo no país
subiu a uma taxa média anual próxima
a 10%. As exportações brasileiras para
o Japão acompanharam esta tendência,
saltando de uma média anual de 284 mil sacas
em 1971-75 para 1,16 milhão de sacas em 1986-90.
Nesse processo, o Japão se tornou um dos principais
destinos do café brasileiro: do 18º lugar
em 1970, passou para o 4º em 1990.
Cabe notar que esta subida notável ocorreu
apesar das dificuldades causadas pela forte alta de
preços no mercado internacional após
a geada que dizimou os cafezais brasileiros em 1975.
Nessa época, a indústria japonesa encontrou
grande resistência, por parte dos consumidores,
aos aumentos de preços necessários para
repassar o incremento nos custos de matéria-prima.
A
difícil conjuntura predominante durante
a segunda metade da década de 1970 também
demonstra outras facetas importantes do mercado
japonês: a rigidez e a lealdade nos relacionamentos
comerciais. Enquanto que, entre 1975 e 1979, as
exportações brasileiras totais de
café verde caíram 20% por causa
da redução na disponibilidade, os
embarques para o Japão subiram 46%. |
|
Além de enraizado na própria cultura
do país, o conservadorismo na escolha de fornecedores
é reforçado por regras de concorrência
justa, que estipulam que as origens usadas nos blends
sejam discriminadas, em ordem descendente em termos
de participação, na embalagem. Isso
faz com que os fabricantes procurem manter estáveis
as proporções do café de cada
origem no produto final.
Outro elemento importante no crescimento do mercado
japonês neste período foi a promoção.
Os esforços da indústria local foram
suplementados por recursos externos, sobretudo do
Fundo de Promoção da Organização
Internacional do Café (OIC), que investiu mais
de US$ 12 milhões em campanhas de promoção
genérica e estudos de mercado. O Instituto
Brasileiro do Café (IBC) também desempenhou,
de maneira indireta, papel importante no desenvolvimento
do mercado japonês ao entrar em acordos com
as principais torrefadoras do país, nos quais
a autarquia cedia café verde estocado em seu
entreposto de Hong Kong ou concedia rebates sobre
o preço de venda. Por meio dessa política,
o Brasil baixava o preço final efetivo de seu
café, aumentando sua competitividade frente
a outras origens e, simultaneamente, reduzindo os
custos da indústria local de modo que ela pudesse
investir mais na abertura do incipiente mercado japonês.
Na década de 1990, o mercado de café
no Japão começou a dar sinais de alcançar
a maturidade e, ao mesmo tempo, o país enfrentou
uma prolongada crise econômica. A combinação
desses fatores fez com que as taxas de crescimento
do consumo de café, embora continuassem positivas,
caíssem em relação às
duas décadas anteriores. Como conseqüência,
as exportações do café brasileiro
para aquele destino também passaram a crescer
a um ritmo mais baixo.
O
comércio de café entre Brasil e Japão
no século XXI
Esse padrão foi quebrado no final da década
e, de 1998 em diante, os embarques brasileiros começaram
a subir de forma mais acelerada. Embora o mercado
japonês como um todo apresentasse sinais de
recuperação, essa mudança também
reflete a crescente competitividade do produto nacional,
tanto em termos de custo, quanto de qualidade. Entre
2001 e 2005, a exportação média
anual subiu para 1,94 milhão de sacas.
Em 2006, a exportação atingiu níveis
recordes, tendo ultrapassado 2,2 milhões de
sacas pela primeira vez, sendo composta de 2,0 milhões
(89,8%) de café verde arábica, seguidos
por um volume menor, porém significativo, de
226 mil sacas (10,1%) de café solúvel,
boa parte dele na forma de extrato líquido
para uso na elaboração de cafés
líquidos em lata. A exportação
de verde robusta é baixa (3 mil sacas, correspondendo
a 0,14% do total), pois o Japão se abastece
desse tipo de café preferencialmente junto
a fornecedores mais próximos, sobretudo Vietnã
e Indonésia. Já a exportação
de café torrado é ainda insipiente,
tendo excedido 1.000 sacas/ano apenas duas vezes na
história. Hoje, o Japão responde por
8,2% das exportações brasileiras de
café e é nosso quarto maior mercado
comprador, atrás de Estados Unidos, Alemanha
e Itália.
Como
resultado da aceleração do crescimento
das exportações brasileiras, sua
participação no mercado japonês
vem crescendo de forma sistemática nos
últimos anos (ver Figura 1). Desde a década
de 1970, a parcela brasileira das importações
totais de café verde do Japão oscilou
entre 20 a 24% (com exceção da primeira
metade da década de 1980, quando as agressivas
políticas de comercialização
e promoção do IBC ajudaram a elevar
a parcela nacional para quase 30%). |
|
No
período 2001 a 2005, a participação
brasileira alcançou 25% e, em 2006, essa proporção
atingiu 27,5%. Os principais concorrentes do Brasil
no fornecimento de café verde são Colômbia
(20,5%), Indonésia (15,0%), Etiópia
(9,2%), Vietnã (7,4%) e Guatemala (6,5%).
Outro aspecto importante do desenvolvimento do mercado
japonês é a crescente ênfase na
qualidade do produto, o que é evidenciado pelo
fato de o Japão ser um dos principais compradores
mundiais de cafés especiais, inclusive do Brasil.
Hoje, o Japão é considerado um dos mercados
mais exigentes do mundo em termos de qualidade e segurança
dos alimentos.
Vale ressaltar também que o café continua
a desempenhar um papel relevante nas exportações
brasileiras para o Japão. Segundo dados do
Ministério de Desenvolvimento, em 2006, as
exportações do complexo café
(verde e industrializado) para o Japão superaram
US$ 310 milhões e representaram 8% do total
exportado para esse país. Esse desempenho coloca
o café em quarto lugar entre as principais
mercadorias exportadas para aquele destino, atrás
apenas do complexo minério de ferro, do alumínio
e da carne de frango.
Conclusões
Em
que medida podemos extrapolar a experiência
do Japão para outros mercados emergentes, sobretudo
os asiáticos? O Perfil Cafeeiro do Japão,
editado em 1998 pela OIC, atribui o aumento do consumo
de café naquele país a quatro fatores
principais: uma mudança acentuada na sociedade
com a ocidentalização dos hábitos
de consumo; a ascensão do padrão de
vida da população; a promoção
e publicidade do café solúvel; e ao
estabelecimento e desenvolvimento de casas de café
atraentes. Todos estes fatores estão presentes
hoje em países como China e Índia, indicando
a clara tendência dessas nações
para se tornarem importantes centros de consumo, por
mais que isso aconteça em um prazo ainda indeterminado.
O que a experiência do Japão pode nos
ensinar sobre como melhor lidar com este provável
desenvolvimento em outros países? Vários
temas levantados acima merecem um tratamento mais
extenso do que o possível no atual artigo,
entre os quais:
• A eficácia da promoção
genérica e de ações institucionais
no estímulo ao consumo em países onde
esse costume não está enraizado.
• A importância do café solúvel
na abertura de novos mercados, sobretudo aqueles com
tradição de beber chá.
• A crescente exigência com relação
à qualidade do café ao longo do tempo.
• A adaptação da cafeicultura
mundial à passagem de um gigante populacional
(como a China ou a Índia) por um surto de crescimento
de demanda, como aquele ocorrido no Japão entre
1970 e o começo da década de 90. Respeitadas
as diferenças, um indicador do que pode vir
a acontecer é a evolução atual
de outros produtos, tais como o minério de
ferro e a soja, que já demonstram o impacto
asiático no aumento da procura.
• A possível transição
de certos países de exportadores para importadores
líquidos de café. Por exemplo, a Índia
pode algum dia se tornar incapaz de abastecer todo
seu próprio mercado interno e ser forçada
a recorrer sistematicamente a outros países
produtores para complementar a oferta, como já
acontece com as Filipinas.
• A correlação do crescimento
do consumo com ciclos econômicos diferentes
dos do Ocidente.
• A tendência dos importadores para estabelecer
laços preferenciais com as economias do próprio
continente asiático, sobretudo no comércio
do café verde robusta. Por exemplo, o Japão
financiou importantes campanhas em prol da melhoria
da qualidade do café da Indonésia, um
de seus fornecedores estratégicos.
Para muitos, pode parecer que essas questões
dizem respeito a um futuro distante que não
nos afeta. No entanto, em vista da inelasticidade
da oferta de café nos curto e médio
prazos, são temas que precisam ser avaliados
com uma devida antecedência para evitar a ocorrência
de choques à cafeicultura mundial.
Por fim, a evolução do comércio
de café entre Brasil e Japão demonstra
a competitividade do produto nacional e a competência
do comércio exportador na exploração
de mercados muito diferentes dos tradicionais. Entre
1908 e 2006, o Brasil embarcou mais de 44 milhões
de sacas de café para esse destino, e o recorde
registrado em 2006 mostra que o futuro continua promissor.
Nesse e nos mercados emergentes da Ásia, o
Brasil reúne amplas condições
para sustentar a liderança que exerce no comércio
mundial de café há mais de 150 anos.
|