Home
Porto do Rio Consolida Retomada das Exportações de Café
Multiterminais Amplia Estrutura Operacional
Junho 2007 - Ano 86 - Nº 822

05
 

A chegada dos primeiros imigrantes japoneses, em 1908, foi um marco na cafeicultura brasileira, pois os recém-chegados ajudaram a amenizar a aguda escassez de mão-de-obra nas lavouras nacionais após a abolição do trabalho escravo e, em anos posteriores, deixaram uma marca indelével na sociedade nacional. Menos conhecido, porém igualmente digno de nota, no mesmo ano ocorreu o primeiro embarque de café brasileiro para a terra do sol nascente. Desde então, o estreitamento dos vínculos entre os dois países deu ensejo a um vigoroso comércio de café que tomou um vulto muito além do que poderiam antever nossos antepassados no começo do século XX.

Uma análise da trajetória do comércio de café entre Brasil e Japão é importante por razões que transcendem nosso interesse pela história e pelas raízes de nossa cafeicultura. A principal delas é que o Japão pode nos fornecer pistas relevantes sobre o futuro do café brasileiro, pois o aumento do consumo mundial de café nas próximas décadas dependerá significativamente da incorporação de grandes contingentes de novos consumidores em mercados emergentes, sobretudo na Ásia.

Evolução

Embora o Brasil tenha assinado o Tratado de Amizade, Navegação e Comércio com o Japão em 1895, o intercâmbio comercial entre os dois países começou de forma tímida. Apenas em 1908, foi registrado o primeiro embarque de café nacional para o Japão, um total de 600 sacas. Na década seguinte, as exportações de café para o Japão continuaram em níveis modestos, embora com trajetória ascendente. Já a década de 1920 foi marcada por estagnação e retrocesso por causa da débil evolução da economia japonesa, que sofreu uma série de choques: o rompimento de uma bolha especulativa em 1920; o Grande Terremoto de 1923; e novo crash da bolsa em 1927. A partir de 1930, a economia japonesa reavivou e a demanda japonesa por café aumentou de forma sensível. Durante a década, a média anual das exportações brasileiras subiu para mais de 28 mil sacas, com o volume máximo sendo registrado em 1937, quando os embarques atingiram 61.030 sacas.

Essa tendência promissora não se manteve. Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o comércio entre os dois países foi paralisado. A década de 40, mesmo após o final da guerra em 1945, pode ser considerada perdida para o café no Japão, e as exportações brasileiras só seriam retomadas em 1949. Na década seguinte, a economia japonesa começou a estabelecer as bases do extraordinário crescimento registrado nos anos seguintes. As exportações brasileiras de café começaram a se recuperar, tendo atingido uma média anual de quase 24 mil sacas, mas ainda sem igualar os resultados registrados na década de 30.

Na década de 1960, apareceram os primeiros indícios de que o Japão poderia se tornar um importante mercado consumidor de café. O final da era de reconstrução pós-guerra e a expansão econômica trouxeram um incremento notável na renda disponível do japonês médio, que viu aumentado seu acesso a bens não essenciais. A exportação brasileira de café se beneficiou do ambiente mais favorável, atingindo uma média anual de 82 mil sacas.

A grande arrancada do mercado de café japonês se deu entre 1970 e 1990, quando o consumo no país subiu a uma taxa média anual próxima a 10%. As exportações brasileiras para o Japão acompanharam esta tendência, saltando de uma média anual de 284 mil sacas em 1971-75 para 1,16 milhão de sacas em 1986-90. Nesse processo, o Japão se tornou um dos principais destinos do café brasileiro: do 18º lugar em 1970, passou para o 4º em 1990.

Cabe notar que esta subida notável ocorreu apesar das dificuldades causadas pela forte alta de preços no mercado internacional após a geada que dizimou os cafezais brasileiros em 1975. Nessa época, a indústria japonesa encontrou grande resistência, por parte dos consumidores, aos aumentos de preços necessários para repassar o incremento nos custos de matéria-prima.

A difícil conjuntura predominante durante a segunda metade da década de 1970 também demonstra outras facetas importantes do mercado japonês: a rigidez e a lealdade nos relacionamentos comerciais. Enquanto que, entre 1975 e 1979, as exportações brasileiras totais de café verde caíram 20% por causa da redução na disponibilidade, os embarques para o Japão subiram 46%.

Além de enraizado na própria cultura do país, o conservadorismo na escolha de fornecedores é reforçado por regras de concorrência justa, que estipulam que as origens usadas nos blends sejam discriminadas, em ordem descendente em termos de participação, na embalagem. Isso faz com que os fabricantes procurem manter estáveis as proporções do café de cada origem no produto final.

Outro elemento importante no crescimento do mercado japonês neste período foi a promoção. Os esforços da indústria local foram suplementados por recursos externos, sobretudo do Fundo de Promoção da Organização Internacional do Café (OIC), que investiu mais de US$ 12 milhões em campanhas de promoção genérica e estudos de mercado. O Instituto Brasileiro do Café (IBC) também desempenhou, de maneira indireta, papel importante no desenvolvimento do mercado japonês ao entrar em acordos com as principais torrefadoras do país, nos quais a autarquia cedia café verde estocado em seu entreposto de Hong Kong ou concedia rebates sobre o preço de venda. Por meio dessa política, o Brasil baixava o preço final efetivo de seu café, aumentando sua competitividade frente a outras origens e, simultaneamente, reduzindo os custos da indústria local de modo que ela pudesse investir mais na abertura do incipiente mercado japonês.

Na década de 1990, o mercado de café no Japão começou a dar sinais de alcançar a maturidade e, ao mesmo tempo, o país enfrentou uma prolongada crise econômica. A combinação desses fatores fez com que as taxas de crescimento do consumo de café, embora continuassem positivas, caíssem em relação às duas décadas anteriores. Como conseqüência, as exportações do café brasileiro para aquele destino também passaram a crescer a um ritmo mais baixo.

O comércio de café entre Brasil e Japão no século XXI

Esse padrão foi quebrado no final da década e, de 1998 em diante, os embarques brasileiros começaram a subir de forma mais acelerada. Embora o mercado japonês como um todo apresentasse sinais de recuperação, essa mudança também reflete a crescente competitividade do produto nacional, tanto em termos de custo, quanto de qualidade. Entre 2001 e 2005, a exportação média anual subiu para 1,94 milhão de sacas.

Em 2006, a exportação atingiu níveis recordes, tendo ultrapassado 2,2 milhões de sacas pela primeira vez, sendo composta de 2,0 milhões (89,8%) de café verde arábica, seguidos por um volume menor, porém significativo, de 226 mil sacas (10,1%) de café solúvel, boa parte dele na forma de extrato líquido para uso na elaboração de cafés líquidos em lata. A exportação de verde robusta é baixa (3 mil sacas, correspondendo a 0,14% do total), pois o Japão se abastece desse tipo de café preferencialmente junto a fornecedores mais próximos, sobretudo Vietnã e Indonésia. Já a exportação de café torrado é ainda insipiente, tendo excedido 1.000 sacas/ano apenas duas vezes na história. Hoje, o Japão responde por 8,2% das exportações brasileiras de café e é nosso quarto maior mercado comprador, atrás de Estados Unidos, Alemanha e Itália.

Como resultado da aceleração do crescimento das exportações brasileiras, sua participação no mercado japonês vem crescendo de forma sistemática nos últimos anos (ver Figura 1). Desde a década de 1970, a parcela brasileira das importações totais de café verde do Japão oscilou entre 20 a 24% (com exceção da primeira metade da década de 1980, quando as agressivas políticas de comercialização e promoção do IBC ajudaram a elevar a parcela nacional para quase 30%).

No período 2001 a 2005, a participação brasileira alcançou 25% e, em 2006, essa proporção atingiu 27,5%. Os principais concorrentes do Brasil no fornecimento de café verde são Colômbia (20,5%), Indonésia (15,0%), Etiópia (9,2%), Vietnã (7,4%) e Guatemala (6,5%).

Outro aspecto importante do desenvolvimento do mercado japonês é a crescente ênfase na qualidade do produto, o que é evidenciado pelo fato de o Japão ser um dos principais compradores mundiais de cafés especiais, inclusive do Brasil. Hoje, o Japão é considerado um dos mercados mais exigentes do mundo em termos de qualidade e segurança dos alimentos.
Vale ressaltar também que o café continua a desempenhar um papel relevante nas exportações brasileiras para o Japão. Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento, em 2006, as exportações do complexo café (verde e industrializado) para o Japão superaram US$ 310 milhões e representaram 8% do total exportado para esse país. Esse desempenho coloca o café em quarto lugar entre as principais mercadorias exportadas para aquele destino, atrás apenas do complexo minério de ferro, do alumínio e da carne de frango.

Conclusões

Em que medida podemos extrapolar a experiência do Japão para outros mercados emergentes, sobretudo os asiáticos? O Perfil Cafeeiro do Japão, editado em 1998 pela OIC, atribui o aumento do consumo de café naquele país a quatro fatores principais: uma mudança acentuada na sociedade com a ocidentalização dos hábitos de consumo; a ascensão do padrão de vida da população; a promoção e publicidade do café solúvel; e ao estabelecimento e desenvolvimento de casas de café atraentes. Todos estes fatores estão presentes hoje em países como China e Índia, indicando a clara tendência dessas nações para se tornarem importantes centros de consumo, por mais que isso aconteça em um prazo ainda indeterminado.

O que a experiência do Japão pode nos ensinar sobre como melhor lidar com este provável desenvolvimento em outros países? Vários temas levantados acima merecem um tratamento mais extenso do que o possível no atual artigo, entre os quais:
• A eficácia da promoção genérica e de ações institucionais no estímulo ao consumo em países onde esse costume não está enraizado.
• A importância do café solúvel na abertura de novos mercados, sobretudo aqueles com tradição de beber chá.
• A crescente exigência com relação à qualidade do café ao longo do tempo.
• A adaptação da cafeicultura mundial à passagem de um gigante populacional (como a China ou a Índia) por um surto de crescimento de demanda, como aquele ocorrido no Japão entre 1970 e o começo da década de 90. Respeitadas as diferenças, um indicador do que pode vir a acontecer é a evolução atual de outros produtos, tais como o minério de ferro e a soja, que já demonstram o impacto asiático no aumento da procura.
• A possível transição de certos países de exportadores para importadores líquidos de café. Por exemplo, a Índia pode algum dia se tornar incapaz de abastecer todo seu próprio mercado interno e ser forçada a recorrer sistematicamente a outros países produtores para complementar a oferta, como já acontece com as Filipinas.
• A correlação do crescimento do consumo com ciclos econômicos diferentes dos do Ocidente.
• A tendência dos importadores para estabelecer laços preferenciais com as economias do próprio continente asiático, sobretudo no comércio do café verde robusta. Por exemplo, o Japão financiou importantes campanhas em prol da melhoria da qualidade do café da Indonésia, um de seus fornecedores estratégicos.

Para muitos, pode parecer que essas questões dizem respeito a um futuro distante que não nos afeta. No entanto, em vista da inelasticidade da oferta de café nos curto e médio prazos, são temas que precisam ser avaliados com uma devida antecedência para evitar a ocorrência de choques à cafeicultura mundial.

Por fim, a evolução do comércio de café entre Brasil e Japão demonstra a competitividade do produto nacional e a competência do comércio exportador na exploração de mercados muito diferentes dos tradicionais. Entre 1908 e 2006, o Brasil embarcou mais de 44 milhões de sacas de café para esse destino, e o recorde registrado em 2006 mostra que o futuro continua promissor. Nesse e nos mercados emergentes da Ásia, o Brasil reúne amplas condições para sustentar a liderança que exerce no comércio mundial de café há mais de 150 anos.

Revista do Café - Índice
05
 
Rua da Quitanda, 191 - 8º andar - Centro - Rio de Janeiro - Brasil - Tel: (21) 2516-3399 / Fax: (21) 2253-4873 - email: riocafe@cccrj.com.br
Todos os direitos reservados - copyright 2006 - Centro de Comércio do Café do Rio de Janeiro - Desenvolvido por Ivan F. Cesar