A
história do café no século XIX
teve como protagonistas não apenas os barões
do café e outros titulares do império.
Nem se fez somente com escravos, traficantes de escravos,
pacificadores de índios, comissários
de café, tropeiros, políticos eminentes
– como o senador Vergueiro, Nicolau Pereira
de Campos Vergueiro, e o marquês do Paraná,
Honório Hermeto Carneiro Leão –
fazendeiros que fundaram as Santas Casas de Misericórdia,
abriram estradas, construíram pontes e, ao
final do século XIX, financiaram a construção
das ferrovias. Enfim, homens que escreveram sua história
e introduziram o café no Vale do Paraíba.
Além desses personagens, encontramos figuras
que, menos convencionais, também acabaram se
tornando lendárias na região, como o
rei do café, Joaquim de Souza Breves, e Antonio
Gonçalves de Moraes.
Este último nasceu na fazenda dos Três
Saltos, em 1803, filho primogênito do barão
do Piraí, José Gonçalves de Moraes,
um dos maiores latifundiários em terras do
Piraí e, como já mencionado em outra
ocasião, responsável pela disseminação
de grandes fazendas de café na região.
Antonio casou-se com uma das filhas do barão
de Mambucaba, dona Rosa Luisa Gomes, e deste enlace
teve oito filhos.
Resgatar
informações, documentos, e ousar
escrever sobre estes fazendeiros é sempre
um desafio, e não incorrer em erros é
tarefa das mais árduas. E não seria
diferente no caso deste lendário fazendeiro,
que ficou conhecido como Capitão Mata-Gente.
Teria ele recebido esta alcunha por algum motivo
concreto, ou seria apenas um mito que se criou
sobre o filho de um dos mais ilustres fazendeiros
de Piraí? |
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O certo é que, em primeiro de março
de 1844, em escritura passada no 1º Tabelião
de Notas (livro 3º, folha 21), seu pai resolve
deserdá-lo, com a alegação de
que, além de “faltar-lhe com respeito
e de publicamente proferir injúrias contra
a pessoa dele, e de ainda estar seduzindo e assalariando
homens para assassiná-lo”.
Curiosamente, em 1859, quando falece o barão,
Antonio encontra-se entre os demais herdeiros. Não
foi encontrada nenhuma documentação
em que tenha revogado a escritura feita quinze anos
antes.
Conta-se, ainda, que Antonio teria ficado conhecido
como Mata-Gente após um incidente em sua fazenda
do Salto Pequeno, no município de Passa Três.
Escravos teriam matado o feitor e, para encobrir o
ocorrido, Antônio teria ordenado que os escravos
atirassem o corpo num açude, com uma pedra
amarrada ao pescoço. No entanto, ciente de
que a polícia chegava à fazenda, ele
mandou que retirassem o corpo do açude e o
enterrassem numa bacia de cal. A polícia nada
encontrou na propriedade.
Era comum, na época, o fazendeiro e grande
latifundiário usar da força e de uma
autoridade exagerada perante seus familiares e demais
homens que o cercavam, apesar de não podermos
descartar suas iniciativas mais nobres.
Em meados do século XIX, Antonio Gonçalves
de Moraes fez construir em suas terras uma ponte sobre
o rio Piraí, avaliada, em 1876, por sete contos
de réis, ali surgindo o povoado de São
Benedito, que mais tarde daria origem à cidade
de Barra do Piraí.
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Conta-se
que, para atravessar a referida ponte, pessoas,
animais e carros tinham que pagar sete vinténs.
De fato, dom Pedro II, ao passar por Barra do
Piraí, em 1862, escreveu em seu diário:
“Perto do trapiche há uma ponte sobre
o Piraí construída por Antonio Gonçalves
de Moraes (vulgo Mata-Gente) a quem pagam a passagem
como se fosse barreira da província, do
que se me queixou João Pereira da Silva.
Antonio Gonçalves de Moraes tem umas poucas
fazendas na margem do Piraí – e uma
com grande açude que vi do caminho –
e na do Paraíba”.
O Capitão Mata-Gente faleceu em 1876, e
lendo os autos do seu inventário post-mortem
é possível constatar que o monte-mor
chega à cifra extraordinária de
1:005:699$800 contos de réis, sendo dele
as fazendas São Felix, São João
da Prosperidade, fazenda Velha, o sítio
do Viana e uma casa na rua Conde D’Eu, no
Rio de Janeiro. |
A
fazenda São João da Prosperidade foi
construída nos primórdios do século
XIX, provavelmente entre as décadas de 1810
e 1820, com uma sesmaria de terras. Nela trabalhavam
214 escravos, que cultivavam 256 mil pés de
café. Seguindo a descrição apresentada
no inventário, o conjunto da propriedade tinha
“casa de vivenda, enfermaria, engenho, casas
de escolha, depósito para café e víveres,
moinhos, senzalas, casas para carneiros, carros e
olaria”. Muito interessante ainda é a
descrição da casa de vivenda: “Tem
57,5 de frente e de fundos 14,5 metros. Construída
com paredes de pedra e cal tendo em volta três
portas e trinta e nove janelas de peitoril”.
A casa guarda até nossos dias as características
principais descritas em 1876, com um precioso oratório
que enriquece ainda mais o imóvel, conservado
com perseverança pelos atuais proprietários.
A fazenda São João da Prosperidade encontra-se
em plena atividade agropecuária e turística.
Sua atual proprietária recebe turistas e conta
a história da propriedade de modo prazeroso,
o que faz com que os visitantes dali partam imaginando
a vida de um Capitão Mata-Gente, que talvez
não tenha matado ninguém ou, quem sabe,
por ter uma índole severa, assim ficou conhecido. |