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Junho 2007 - Ano 86 - Nº 822

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A história do café no século XIX teve como protagonistas não apenas os barões do café e outros titulares do império. Nem se fez somente com escravos, traficantes de escravos, pacificadores de índios, comissários de café, tropeiros, políticos eminentes – como o senador Vergueiro, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, e o marquês do Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão – fazendeiros que fundaram as Santas Casas de Misericórdia, abriram estradas, construíram pontes e, ao final do século XIX, financiaram a construção das ferrovias. Enfim, homens que escreveram sua história e introduziram o café no Vale do Paraíba. Além desses personagens, encontramos figuras que, menos convencionais, também acabaram se tornando lendárias na região, como o rei do café, Joaquim de Souza Breves, e Antonio Gonçalves de Moraes.

Este último nasceu na fazenda dos Três Saltos, em 1803, filho primogênito do barão do Piraí, José Gonçalves de Moraes, um dos maiores latifundiários em terras do Piraí e, como já mencionado em outra ocasião, responsável pela disseminação de grandes fazendas de café na região. Antonio casou-se com uma das filhas do barão de Mambucaba, dona Rosa Luisa Gomes, e deste enlace teve oito filhos.

Resgatar informações, documentos, e ousar escrever sobre estes fazendeiros é sempre um desafio, e não incorrer em erros é tarefa das mais árduas. E não seria diferente no caso deste lendário fazendeiro, que ficou conhecido como Capitão Mata-Gente. Teria ele recebido esta alcunha por algum motivo concreto, ou seria apenas um mito que se criou sobre o filho de um dos mais ilustres fazendeiros de Piraí?

O certo é que, em primeiro de março de 1844, em escritura passada no 1º Tabelião de Notas (livro 3º, folha 21), seu pai resolve deserdá-lo, com a alegação de que, além de “faltar-lhe com respeito e de publicamente proferir injúrias contra a pessoa dele, e de ainda estar seduzindo e assalariando homens para assassiná-lo”.

Curiosamente, em 1859, quando falece o barão, Antonio encontra-se entre os demais herdeiros. Não foi encontrada nenhuma documentação em que tenha revogado a escritura feita quinze anos antes.

Conta-se, ainda, que Antonio teria ficado conhecido como Mata-Gente após um incidente em sua fazenda do Salto Pequeno, no município de Passa Três. Escravos teriam matado o feitor e, para encobrir o ocorrido, Antônio teria ordenado que os escravos atirassem o corpo num açude, com uma pedra amarrada ao pescoço. No entanto, ciente de que a polícia chegava à fazenda, ele mandou que retirassem o corpo do açude e o enterrassem numa bacia de cal. A polícia nada encontrou na propriedade.

Era comum, na época, o fazendeiro e grande latifundiário usar da força e de uma autoridade exagerada perante seus familiares e demais homens que o cercavam, apesar de não podermos descartar suas iniciativas mais nobres.

Em meados do século XIX, Antonio Gonçalves de Moraes fez construir em suas terras uma ponte sobre o rio Piraí, avaliada, em 1876, por sete contos de réis, ali surgindo o povoado de São Benedito, que mais tarde daria origem à cidade de Barra do Piraí.

Conta-se que, para atravessar a referida ponte, pessoas, animais e carros tinham que pagar sete vinténs. De fato, dom Pedro II, ao passar por Barra do Piraí, em 1862, escreveu em seu diário: “Perto do trapiche há uma ponte sobre o Piraí construída por Antonio Gonçalves de Moraes (vulgo Mata-Gente) a quem pagam a passagem como se fosse barreira da província, do que se me queixou João Pereira da Silva. Antonio Gonçalves de Moraes tem umas poucas fazendas na margem do Piraí – e uma com grande açude que vi do caminho – e na do Paraíba”.

O Capitão Mata-Gente faleceu em 1876, e lendo os autos do seu inventário post-mortem é possível constatar que o monte-mor chega à cifra extraordinária de 1:005:699$800 contos de réis, sendo dele as fazendas São Felix, São João da Prosperidade, fazenda Velha, o sítio do Viana e uma casa na rua Conde D’Eu, no Rio de Janeiro.

A fazenda São João da Prosperidade foi construída nos primórdios do século XIX, provavelmente entre as décadas de 1810 e 1820, com uma sesmaria de terras. Nela trabalhavam 214 escravos, que cultivavam 256 mil pés de café. Seguindo a descrição apresentada no inventário, o conjunto da propriedade tinha “casa de vivenda, enfermaria, engenho, casas de escolha, depósito para café e víveres, moinhos, senzalas, casas para carneiros, carros e olaria”. Muito interessante ainda é a descrição da casa de vivenda: “Tem 57,5 de frente e de fundos 14,5 metros. Construída com paredes de pedra e cal tendo em volta três portas e trinta e nove janelas de peitoril”.

A casa guarda até nossos dias as características principais descritas em 1876, com um precioso oratório que enriquece ainda mais o imóvel, conservado com perseverança pelos atuais proprietários.

A fazenda São João da Prosperidade encontra-se em plena atividade agropecuária e turística. Sua atual proprietária recebe turistas e conta a história da propriedade de modo prazeroso, o que faz com que os visitantes dali partam imaginando a vida de um Capitão Mata-Gente, que talvez não tenha matado ninguém ou, quem sabe, por ter uma índole severa, assim ficou conhecido.

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