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Setembro 2008 - Ano 87 - Nº 827

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A ligação de Almir Filho, recém-empossado presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), com a economia cafeeira, teve um início precoce. Com cinco ou seis anos, na mesma época em que ingressou no colégio, Almir recebeu seu primeiro encargo profissional. Seu pai, um cafeicultor obcecado com sua atividade, instruiu Almir a levar, diariamente, um bule de café, ou chaleira, para o pessoal que trabalhava no armazém de beneficiamento. “O armazém ficava a uns 250 metros de casa. Eu ia até lá, entregava o bule, depois ia para o colégio”, explica Almir. As xícaras, que ele também levava, iam amarradas ao bule por um barbante.

Esse foi o primeiro passo de uma longa carreira ligada ao setor. Depois de trabalhar no viveiro de café com apenas nove anos, Almir recebeu outra importante missão: plantar uma lavoura de café. Tinha treze anos e já sabia dirigir um caminhão. À frente de uma turma de trabalhadores, limpou uma mata, com fogo, preparando o terreno para receber as mudas. “Aí aconteceu um fato desagradável”, lembra Almir. “A gente trabalhava o dia inteiro, fazendo a queimada e eu errei no aceiro (limpeza que você faz ao redor da área a ser queimada, para restringir o fogo àquele espaço) e o fogo chegou também às matas vizinhas. Tive que bater de porta em porta, nas propriedades atingidas, pedindo desculpas. Depois a mata se recuperou naturalmente.”

Almir conta que, ao mesmo tempo em que cuidava da limpeza do terreno, preparava as mudas. Plantou mudas da variedade Mundo Novo, em espaço de 4 metros de rua e 2 metros de pé a pé, com dois pés por cova. “Essa lavoura durou mais de vinte anos”, observa Almir, “e foi o meu início como cafeicultor”. Tudo isso se passou em Rosário da Limeira, sul de Minas Gerais, onde até hoje Almir possui lavouras de café, cultivando variedades bourbon amarelo e vermelho, que utiliza em sua indústria, a Café Toko.

Na verdade, quem começou tudo foi o avô, um cafeicultor que usava mão-de-obra familiar para cultivar três hectares de café, numa propriedade de 8 hectares. O pai prosseguiu na atividade e Almir veio em seguida.

O ingresso no segmento de torrefação e moagem aconteceu no Natal de 1975. Um vizinho, João da Costa Leite, possuía uma pequena torrefação, que produzia a marca Chantecler. Leite anunciara, naquele mesmo dia, que estava encerrando as atividades de sua empresa. Então Almir, que é nascido em 1957 e portanto tinha dezoito anos, foi até a casa de Leite e propôs pagar todas as suas dívidas, em troca da fábrica e da marca. Leite pediu alguns minutos, foi até a cozinha consultar a esposa, voltou e disse sim. “Foi o negócio mais rápido da minha vida”, conta Almir. Depois do Natal e Ano Novo, os papéis foram assinados e Almir entrava oficialmente no setor de torrefação e moagem.

Perguntando sobre o que é melhor, ser produtor ou torrefador, Almir diz que, no momento, é melhor ser torrefador. Apesar das dificuldades que a indústria também enfrenta, a produção vive uma situação pior, sobretudo com o recente aumento dos custos de produção, puxado pela alta do preço dos fertilizantes e da mão-de-obra. “Produzir café realmente está muito difícil”, diz Almir. Para ele, os preços do café estão muito defasados, tanto para o produtor quanto para o consumidor. “Se os preços não se ajustarem, o setor pode sofrer problemas de abastecimento no futuro”, alerta o industrial. Ele explica que, historicamente, o café correspondeu de 4% a 6% do salário mínimo, e hoje corresponde apenas a 2%. “Se você fizer um cálculo simples, verá que o café está mais barato que água. Um quilo de café torrado produz 10 a 20 litros de café líquido; um quilo custando R$ 18, o litro de café sai por R$ 1 a R$ 1,2”, argumenta.

Almir observa que, desde 2002, o café não tem aumento de preço e que, nos últimos 15 anos, o preço do café subiu apenas 30%, enquanto o salário mínimo subiu quase 500%. “É preciso dar condições de rentabilidade para toda a cadeia”, adverte o presidente da Abic.

Leia a seguir a entrevista completa de Almir Filho para a Revista do Café.

Revista do Café: Conte um pouco da sua história de vida. Como você começou a trabalhar com o café?
Almir Filho: Sou filho de cafeicultor e maquinista, neto de cafeicultor e maquinista. Iniciei no café na mesma época que entrei para a escola: tinha como dever, levar a chaleira de café ao armazém (máquina de beneficiamento de café), para consumo dos companheiros (funcionários) que ali trabalhavam. Aos nove anos, produzi mudas de café (viveiro de mudas) e aos treze já dirigia caminhão, um Ford F-600 à gasolina. No mesmo ano plantei a primeira lavoura de café. Estudava e trabalhava até me tornar técnico em contabilidade, fiz vestibular para Direito, mas não foi possível freqüentar a Faculdade. Assumi a gestão dos negócios em 1975 e iniciamos na indústria em 1980 com o café Chantecler.

RC: Na sua opinião, o consumo per capita brasileiro ainda tem muito espaço para crescer? Por que você acha isso?
AF: Há muito espaço sim. Entendo que devemos desenvolver o consumo de forma significativa. A qualidade vai melhorar e o desafio da segunda xícara será vencido. As cafeterias são fundamentais nesse trabalho de difusão da qualidade e na conquista de novos consumidores, principalmente os mais jovens, que gostam de cappuccinos e de drinques à base de café, gelados ou quentes. Já as máquinas de pequeno porte para ‘espresso’, com ou sem sachê, também estão contribuindo para mudança de hábitos nos lares, nos escritórios, consultórios e academias.

RC: Até pouco tempo, as indústrias reclamavam da rentabilidade baixa, às vezes negativa, que levou muitas empresas a abandonarem a atividade e outras a se fundirem a companhias maiores. Também houve um processo de desnacionalização muito forte, com a venda do Pilão para Sara Lee e da Três Corações para a Elite. Como está a situação agora e, na sua opinião, ainda poderá haver maior entrada de estrangeiros no mercado de torrefação nacional?
AF: A Indústria continua sem rentabilidade, em sua maioria operando no vermelho, entendo que muitos Industriais abandonarão a atividade e outros surgirão. Acredito em novos entrantes com capital nacional e internacional, bem como uma combinação dos dois; mas é bom considerarmos que indústrias nacionais podem buscar a internacionalização de suas atividades participando de outros mercados e oferecendo no mercado doméstico cafés com blends de várias origens.

RC: Quais são os projetos da ABIC para 2008 e 2009? Qual o diferencial de sua gestão em relação às anteriores?
AF: Primeiro vamos falar de gestão. Meus antecessores são pessoas polidas, conciliadoras. Eu sou menos tolerante, mas a gestão em si não muda, pois fui vice do Guivan, que agora é meu vice; sempre estivemos alinhados e a ABIC tem estilo próprio. Quanto a projetos entendemos que é hora de agir em benefício da sustentabilidade. Chega de extrativismos, de benesses do governo. O momento requer economia de mercado com remuneração justa aos cafeicultores, lucratividade aos demais agentes da cadeia, inclusive os canais de distribuição; e qualidade com preços justos ao consumidor. A ABIC possui um conjunto de programas que se complementam. Vamos juntar tudo isso em uma nova ordem de propósitos.

RC: Quais são, na sua opinião, os gargalos (problemas) do mercado de café no Brasil?
AF: O agronegócio café ainda não modernizou suas atitudes. Acredito, porém, que as mudanças acontecerão mais rápido que se imagina. As pessoas mudam, o país muda, o mundo muda. É impossível manter os mesmos procedimentos.

RC: Poderia fazer uma avaliação crítica do desempenho do governo federal e do CDPC na condução da política cafeeira?
AF: O governo deve ser orientado pelo CDPC; este é o fórum adequado para a busca de soluções criativas, onde todos podem apresentar soluções e opinar em benefício do desenvolvimento sustentado.

RC: O que falta para o Brasil ampliar a sua exportação de cafés torrados?
AF: O país se declarar exportador de café industrializado e agir nesta direção. Precisamos também ter a liberdade de importar grãos de outras origens para atender mais clientes lá fora, que exigem um blend diversificado.

RC: Há um projeto de qualidade que a última gestão da Abic havia apresentado ao MAPA, e que envolvia forte intervenção estatal nas indústrias, mas que foi modificado agora pela nova gestão para um projeto mais simples, com menos ingerência. Poderia explicar melhor o que aconteceu?
AF: O projeto de Regulamento Técnico apresentado inicialmente é de vanguarda, que nos colocaria em situação privilegiada no atendimento ao consumidor, mas os agentes da cadeia produtiva se opuseram, e para evitar descontentamentos a ABIC optou por um regulamento que atende o momento e evolui com o tempo. Nosso projeto original chamava-se Padrão de Identidade e Qualidade do Café (PIQ), era um projeto muito bem elaborado, moderno, que contempla a pureza e qualidade, estabelecendo diversas categorias de qualidade. Mas o Brasil ainda não está maduro, então enviamos um projeto simplificado, centrado apenas no combate às impurezas e à fraude, e que estabelece um padrão mínimo de qualidade para consumo interno e exportação. Para você entender, o texto original era um Mercedez Classe 600; o projeto atual é um Fusca. Mas é melhor que andar a pé.

RC: Com a sua experiência de industrial do setor torrefador, qual a sua opinião sobre as razões que levam outros países produtores a apresentarem taxas de consumo per capita de café tão baixas?
AF: Foco exclusivo na exportação, ignorando as vantagens oferecidas por uma estabilidade de um consumo interno significativo.

RC: Você acha que a demanda mundial de café dá sinais de vigor ou esgotamento?
AF: O mundo começa a descobrir a qualidade como uma forma de respeitar o consumidor e elevar a quantidade consumida; acredito que vivemos um novo ciclo de prosperidade.

RC: Os preços de café torrado no mercado interno ficarão estáveis esse ano?
AF: No que depender da ABIC, não. Os preços finais do café torrado estão extremamente defasados, o que recomenda sua adequação à realidade.

RC: Têm surgido empresas novas de torrefação? Empresas familiares?
AF: Nossa observação é que surgem diariamente indústrias profissionais, muitas delas familiares.

RC: Quais as regiões brasileiras que, na sua opinião, apresentam perspectivas de aumento de consumo mais promissoras?
AF: Nordeste.

RC: Acredita no potencial de crescimento de consumo de cafés especiais?
AF: Os cafés especiais estão crescendo com um vigor impressionante. Falamos de orgânicos e todos que apresentam predicados perceptíveis ao consumidor.

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