Em
Jaguaré, município capixaba que ostenta
o título de maior produtor de café conillon
do Brasil, ocorre um fato curioso: os pequenos produtores
vêm obtendo maior produtividade que os grandes.
Embora a produtividade média oficial da cidade
esteja em torno de 30 a 40 sacas por hectare, um grande
número de propriedades vem alcançando,
repetidamente, valores acima de 80 sacas por hectare.
“Quem produz menos de 60 sacas por hectare é
considerado mau produtor”, diz Valchirio José
Martins Da Silva, biólogo e extensionista do
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência
Técnica e Extensão Rural, o prestigiado
Incaper.
Os elevados índices de produtividade registrados
na região vêm chamando a atenção
de todo país, porque possibilitam uma relação
custo x benefício muito favorável, e
superior, em muitos casos, à existente no segmento
de café arábica. Mas por que os pequenos
obtém mais produtividade que médios
e grandes? A resposta a esta pergunta é chave
para se compreender a cafeicultura do norte capixaba.
A Revista do Café passou alguns dias entrevistando
produtores e agrônomos da região, mais
especificamente do município de Jaguaré,
e desvendou o segredo.
Em outras regiões, ocorre o contrário.
Grandes produtores, por terem acesso à tecnologia
avançada e disporem de mais recursos financeiros,
obtém altos índices de produtividade,
enquanto pequenos patinam em rendimentos muito baixos,
às vezes abaixo de 10 sacas por hectare. Em
Jaguaré, contudo, não é assim.
Uma das razões está na poda. “A
poda e a desbrota respondem por 70% da produtividade
do conillon”, explica Carlos Giovanni Sossai,
cafeicultor local.
Trata-se de um trabalho hércúleo, inteiramente
manual, que consiste no corte dos galhos que produziram
café, em cada árvore, logo após
a colheita. Passado algumas semanas, o produtor deve
fazer a desbrota: elimina parte dos brotos nascidos
no cotoco dos galhos retirados, deixando apenas os
mais vigorosos.
Outra explicação é o processo
de colheita, que ainda não pode ser mecanizado.
Os grãos do conillon são mais agarrados
aos galhos que os do arábica: as máquinas
existentes não conseguem desprendê-los
da árvore. Essa necessidade de cuidar de cada
árvore, individualmente, complica-se no caso
de áreas muito grandes. Ressalve-se: complica
mas não inviabiliza: os grandes também
vem obtendo excelente nível de produtividade.
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Enfim,
o pequeno, justamente por possuir pouca área,
procura explorá-la ao máximo, utilizando
toda tecnologia disponível. Giovannia Sossai,
por exemplo, que possui 60 mil pés plantados
em 37 hectares (dos quais 25 são produtivos,
o restante está em formação),
conseguiu produzir 71 sacas por hectare em 2007
(um ano ruim, segundo ele, por conta da seca no
início do segundo semestre), obtendo um
custo de R$ 100 a saca, ao qual, explica o produtor,
deve-se acrescentar 20% de custo administrativo. |
Em 2006, Sossai havia obtido uma produtividade de
135 sacas por hectare – o que permitiu um custo
bruto de R$ 69,27 a saca. Sossai tem 7 empregados
fixos e, no tempo da colheita, emprega um homem para
cada 500 pés, ou cerca de 120 pessoas. Para
reduzir os danos provocados pela inevitável
redução no uso de fertilizantes, Sossai
prevê que os cafeicultores irão explorar
ao máximo as reservas de nutriente do solo.
“Fazendo análise do solo, poderemos detectar
se há uma boa reserva de fósforo, por
exemplo. Então, economizaremos no fósforo”,
explica.
Jarbas Altoé, também cafeicultor de
Jaguaré, é outro exemplo de como a tecnologia
vem permitindo o aumento da produção
de café no norte do ES. Altoé conta
que seu pai produzia cerca de 500 sacas de café.
Na mesma área, sendo que metade ainda está
em formação, ele produz hoje mais de
2.000 sacas por ano. Quando as lavouras novas amadurecerem,
em dois anos, colherá cerca de 5.000 sacas.
A produtividade de suas lavouras está em média
de 80 sacas por hectare, um patamar que ainda não
o satisfaz. “É pouco”, diz ele,
decepcionado e preocupado com o aumento do preço
dos fertilizantes. Os produtores da região
estimam que as compras de adubo devam cair mais de
30% este ano.
Em função da colheita ser inteiramente
manual, há uma enorme geração
de empregos. Gente do comércio relata que a
cidade transforma-se totalmente no período,
com a chegada de milhares de pessoas da Bahia e outras
regiões do estado. O pagamento é feito
diariamente, por produção. Paga-se de
R$ 5 a R$ 6 por saco de 80 litros. Um trabalhador
consegue colher, em média, 10 sacos por dia,
ganhando em torno de R$ 50. Alguns mais rápidos,
conseguem colher até 20 sacos diariamente,
faturando mais de R$ 100.
Os
trabalhadores que fazem a poda e desbrota, a primeira
realizada imediatamente após o término
da colheita (um ou outro a fazem durante a colheita)
ganham aproximadamente R$ 50 por dia.
Maria Caldeira Oliveira, 51,
e Maria da Paixão, 46,
trabalham na colheita de café em Jaguaré.
Afirmam que o trabalho é bastante tranqüilo,
porque podem organizar livremente seu próprio
horário, o que lhes permite conciliar a
colheita com as atividades domésticas.
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A
estratificação fundiária de Jaguaré,
pesquisada recentemente pela Incaper, mostra o predomínio
do pequeno produtor. O município possui 1.883
propriedades rurais registradas, das quais 59% não
tem mais que 20 hectares; 32% tem entre 20 e 80 hectares;
7% tem entre 80 e 500 hectares; 1% possui entre 500
e 1.000 hectares; e há somente 10 propriedades
(0,5% do total) com área superior a 1.000 hectares.
A marca mais importante, porém, dos cafeicultores
de Jaguaré é algo mais subjetivo: coragem
de inovar. Rodando pelas lavouras da região,
observa-se que todos os produtores estão constantemente
renovando seus cafezais, substituindo árvores
antigas por variedades genéticas modernas,
como o Robustão ou o Vitória. E quando,
por algum motivo, algo dá errado, eles arrancam
tudo e plantam de novo.
Outro tradicional produtor de Jaguaré é
Angelim Sescom, 61, que em 2007 foi o vencedor do
prêmio de qualidade e produtividade organizado
pela prefeitura. Para este ano, Angelim também
está entre os favoritos. Sescom trabalha com
seus dois filhos, Wellington e Wagner, numa propriedade
com 18 alqueires (43,5 hectares). Os Sescom possuem
70 mil pés de café, dos quais 50 mil
são produtivos e o resto ainda está
em formação. Eles vêm obtendo
produtividade média de 90 sacas por hectare,
e um custo de produção de R$ 130 por
saca.
João Malanquini, 52, observa que o produtor
de café do norte capixaba não irá
abandonar a atividade em função do aumento
dos custos, mas deve reduzir os investimentos. “Um
saco de 50 kg de adubo custava R$ 25 em 2006, foi
para R$ 45 em 2007 e este ano chegou a R$ 65”,
adverte. Segundo ele, o produtor, que aplica cerca
de 1 kg de adubo por pé de café, diminuirá
a quantidade para até 450 gramas. O seu custo
de produção em 2008 foi de R$ 110 a
saca de 60 kg.
Visão
do exportador
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Carlos
Henrique Bortolini, trader chefe da Custodio
Forzza, principal exportadora brasileira de café
conillon, acredita que o Brasil, e o Espírito
Santo em particular, tem potencial para elevar
sensivelmente a produção da variedade.
Ele admite, contudo, que o aumento do preço
do fertilizante, e dos custos em geral, podem
atrasar a realização deste potencial.
A Forzza está fortemente estruturada na
região produtora de conillon: |
tem
um armazém com capacidade para 150 mil sacas
em Linhares, outro de 100 mil sacas em Colatina e
está terminado de construir um armazém
de 70 mil sacas no sul da Bahia, novo pólo
do conillon, devido à migração
de produtores capixabas para a região.
Bortolini observa que o diferencial entre o conillon
brasileiro e seu principal concorrente, o robusta
vietnamita, caiu expressivamente nos últimos
meses, elevando a competitividade do primeiro e permitindo
o aumento do volume exportado. A Forzza exportou 342.594
sacas de conillon em 2007, volume estável em
relação ao ano anterior e que correspondeu
a 24,5% das exportações brasileiras.
Os bons preços verificados no início
deste ano, e o recuo do Vietnam, fizeram a empresa
aumentar fortemente suas vendas. De janeiro a maio
de 2008, a Forzza já exportou 199.661 sacas,
alta de 330% sobre o ano anterior, correspondente
a 35% da exportação nacional da variedade.
Segundo Bortolini, entre exportação
e venda ao mercado interno, a empresa movimenta anualmente
cerca de 1 milhão de sacas de conillon.
A rentabilidade do conillon, observa Bortolini, tem
se mostrado bastante superior a do arábica.
No arábica, são necessários 6
a 7 sacos de café pilado em coco para produzir
1 saca de 60 kg de café beneficiado. No robusta,
apenas 4 sacos pilados perfazem 1 saca beneficiada
de 60 kg. A relação custo de produção
e preço de mercado também tem dado vantagem
ao conillon, lembra Bortolini. Uma terceira vantagem
importante do conillon é que, por ser um produto
de sabor neutro, ele não perde qualidade enquanto
armazenado. Ao contrário, as indústrias
pagam de R$ 10 a R$ 15 de ágio para cafés
velhos. Ele lembra que, no caso do arábica,
cafés velhos são vendidos com forte
deságio, porque perdem aroma e sabor. “O
conillon é mais resistente a doenças
e quase não tem bianualidade”, acrescenta
o trader.

Produtores
de outras regiões também querem plantar
conillon
Os extraordinários índices de produtividade
registrados no norte capixaba vêm chamando a
atenção de produtores de outras regiões,
notadamente de São Paulo e Minas Gerais, onde
há áreas com sérios problemas
de renda. O Conselho Nacional do Café (CNC)
enviou representantes da cafeicultura de Minas Gerais
ao norte do Espírito Santo para analisar a
viabilidade de um possível programa de substituição
do arábica pelo conillon nas áreas mais
quentes e baixas do estado. A CATI, órgão
de extensão rural do estado de São Paulo,
enviou técnicos ao ES, com o mesmo objetivo.
Esses movimentos, porém, ainda são bastante
incipientes e os técnicos acreditam que será
preciso alguns anos de pesquisa antes que faça
sentido haver incentivo oficial para cultivar conillon
em Minas ou SP. Mas já tem gente arriscando
por conta própria. Ricardo Tavares, dono da
Atlântica Exportação, ex-proprietário
da Três Corações, adquirida pelo
grupo israelense Elite-Strauss, revela que o projeto
de sua empresa é cultivar 615 hectares de conillon
no norte de Minas, próximo à cidade
de Pirapora, na beira do rio São Francisco.
A depender do resultado, a empresa pode ampliar a
área para 1.000 hectares, e plantar 3,5 milhões
de pés de conillon.
Tavares diz que os técnicos do Incaper foram
à região e verificaram que o clima e
a topografia são propícios para o conillon.
“Nossa meta é ter uma produtividade de
90 a 100 sacas por hectare”, explica o empresário.
Ele ressalta, contudo, que o projeto ainda está
em fase inicial, com plantio de 40 hectares que servirão
para reproduzir mudas, posteriormente plantadas num
sistema de irrigação com pivô
central.
CATI:
Conillon em SP ainda terá que suportar dificuldades
O engenheiro agrônomo, Norberto Luiz de Oliveira
Filho, da Coordenadoria de Assistência Técnica
Integral (CATI), órgão subordinado à
Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado
de São Paulo, explica que a iniciativa de se
plantar café conillon no Estado de São
Paulo, partiu da Câmara Setorial de Café,
com o apoio da ABIC. “O fato justifica-se”,
diz Oliveira, “não só pelos altos
preços alcançados com o produto nos
dias de hoje, mas também pelo fato de o Estado
de São Paulo possuir amplas áreas marginais
ao cultivo do Arábica; além, é
claro, do ICM que vai para o estado onde o café
é produzido.”
Oliveira informa que a CATI enviou, ao Espírito
Santo, 4 técnicos para conhecer o programa
do Incaper sobre as variedades, o manejo da cultura
e a colheita desse material. A partir daí,
diz o agrônomo, será elaborado um programa
de importação de materiais para, juntamente
com a pesquisa paulista, conseguir informações
que permitam a introdução do conillon
no Estado. “Muitas dificuldades deverão
ser vencidas, que vão desde a diferença
de ecossistemas, até a ameaça de pragas
que lá não se manifestam”. Ele
observa que o estado possui nematóides muito
agressivos e que ainda há dúvida quanto
à resistência das variedades de conillon
a esse problema.
Oliveira nota que São Paulo tem áreas,
no oeste e noroeste do estado, onde o plantio de arábica
“vai mal”, apresentando baixa produtividade,
mas que, por registrar clima quente e topografia pouco
elevada, podem se revelar favoráveis ao cultivo
de conillon.
O agrônomo admite, no entanto, que a implantação
do conillon em São Paulo deve demorar no mínimo
3 a 4 anos, tempo necessário para condução
de experiências com diversas variedades genéticas.
“Não vamos colocar o produtor numa furada”,
argumenta. Mas se a viabilidade ficar demonstrada,
explica o funcionário, o governo de SP e suas
indústrias poderão incentivar, com recursos
financeiros e assistência técnica, a
produção paulista de conillon.
Ximenes:
Conillon dá lucro, arábica não
Sobre
a intenção de trazer o plantio de
conillon para o estado de Minas Gerais, o presidente
do Conselho Nacional do Café (CNC), Gilson
Ximenes, admite que, de fato, alguns
cafeicultores mineiros cogitam substituir suas
lavouras de arábica por conillon. Isso
ocorre, explica Ximenes, em função
da boa rentabilidade que o café robusta
vem proporcionando. “Ao passo que o arábica,
na média dos últimos anos, vem sendo
comercializado abaixo dos custos de produção”. |
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É
natural, diz o presidente do CNC, que os produtores
avaliem a possibilidade de migrar para o cultivo de
uma outra variedade que tenha melhores perspectivas
financeiras. “E como o Espírito Santo
é o principal produtor nacional de conillon,
alguns produtores mineiros foram até lá
para conhecer o sistema de plantio e saber quais os
custos de produção e a rentabilidade
com a comercialização”.
Ele faz uma ressalva: “é importante alertar
aos produtores mineiros que o paralelo da rentabilidade
do conillon com a do arábica deve levar em
consideração as condições
climáticas e geográficas – sempre
lembrando que o robusta se adapta melhor a regiões
mais quentes e com menor altitude".
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