Para
entender porque tantos japoneses vieram ao Brasil,
é preciso remontar ao século XIX, mais
especificamente à 1868, ano que marca o fim
da idade média no Japão e o início
de um período de rápidas e profundas
mudanças. O antigo regime político,
baseado no shogunato, espécie de ditadura militar
feudal, é substituído por um sistema
oligárquico imperial com características
bem mais avançadas. O Japão, que mantinha
uma rígida política isolacionista, abre-se
ao mundo. Para apreender as novas tecnologias ocidentais,
enviam-se estudantes ao exterior e incorporam-se milhares
de estrangeiros ao mercado de trabalho japonês.
No espaço de apenas uma geração,
o Japão torna-se uma potência econômica
comparável à Inglaterra, um processo
que até hoje causa admiração
aos historiadores. A consequência da modernização
do sistema produtivo, com introdução
de novos cultivos, como a batata, provocou uma explosão
demográfica, problema grave para um país
com terríveis deficiências em recursos
naturais.
Diante da fome, não havia outra solução.
Com apoio oficial, milhões de japoneses abandonaram
seu país e foram tentar vida nova nas Américas.
O primeiro país escolhido foram os Estados
Unidos, que viviam uma fase de acelerada expansão
industrial e onde a necessidade de mão-de-obra
havia se tornando premente após a aprovação
de lei, em maio de 1882, que proibia a imigração
de chineses.
As portas do Mundo Novo, então, abriram-se
aos japoneses. Os mesmos motivos, porém, que
levaram políticos americanos a vetarem o ingresso
de chineses, foram usados para o caso dos japoneses.
Em 1907, os governos do Japão e EUA dão
por encerrada a imigração de trabalhadores
japoneses, cujo fluxo é desviado para a América
Latina, particularmente para o Brasil, que irá
abrigar, a partir de então, a maior colônia
japonesa do mundo.
A
imigração japonesa no Brasil comemora,
no dia 18 de junho, o seu primeiro centenário.
A data marca o desembarque, em 1908, do navio
Kasato Maru, trazendo 781 japoneses para trabalhar
em fazendas no estado de São Paulo. Muitos
outros navios chegarão ao país nos
anos seguintes, num fluxo que cessará apenas
no fim dos anos 50, após o ingresso de
cerca de 260 mil japoneses. |
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Entre estes japoneses estava Toshikazo Takahashi,
pai de Creuzo Takahashi, cafeicultor e presidente
da Cooperativa Agrícola de Monte Carmelo, que
narrou a história de sua família durante
o 17º Seminário Internacional do Café,
realizado em maio deste ano em Guarujá, em
palestra e, depois, em entrevista exclusiva à
Revista do Café.
Toshikazo sonhava há tempos com a abundância
de terras e as oportunidades de trabalho nesta parte
do mundo. A crise alimentar estava braba no Japão.
Toshikazo contaria, anos depois, ao filho nascido
no Brasil, que passou um ano inteiro se alimentando
de batata cozida. Em 1932, Toshikazo chega ao porto
de Santos. No cais, a primeira maravilha: cachos de
banana, ofertados a preços de... banana. “Meu
pai comeu um cacho inteiro”, conta Creuzo, rindo.
A experiência, que não podia ser mais
brasileira, marcou profundamente o cansado viajante,
que conservaria o hábito de comer banana até
o fim de seus dias.
Toshikazo irá trabalhar por um ano numa fazenda
de café em Cafelândia. Aí começam
as dificuldades. A principal delas é o choque
cultural. Os japoneses, explica Toshikazo, sabiam
ler e escrever, não só japonês,
mas também latim, uma vantagem que pouco lhes
valeria no ambiente rude de uma fazenda de café,
lidando com donos e gerentes a maior parte das vezes
analfabetos e violentos.
A violência que mais choca os imigrantes, no
entanto, é a exercida contra mulheres e crianças.
As primeiras eram obrigadas a trabalhar com até
7 ou 8 meses de gravidez, e logo depois do bebê
completar 3 meses. As crianças, com pouco mais
de 11 anos, também já entravam na lida.
Creuzo conta que a família de sua mãe,
por conta desse tipo de exploração,
entre outros, foi a que mais sofreu. Tendo chegado
ainda criança ao Brasil, em 1926, a mãe
de Creuzo já dava duro na lavoura. Trabalhou
por cinco anos, antes de se casar.
Para
superar essas dificuldades, os japoneses logo
formariam colônias bastante fechadas, cultivando
em terras próprias. Toshikazo Takahashi,
após um ano labutando em Cafelândia,
adquiriu trinta alqueires no município
de Bastos, onde iniciou o cultivo de algodão
e bicho-da-seda. Então casou-se e teve
filhos. Quando os mesmos cresceram, mandou-os
estudar em São Paulo. |
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Os gastos aumentaram e o velho Takahashi decidiu que
era hora de mudar de ramo. Vendeu as terras e emigrou
novamente, desta vez para o norte do Paraná.
Seu plano era produzir café, mas não
podia esperar três anos até a primeira
produção e teve outra idéia.
Montou um hotel, comprou um jipe e começou
a prestar serviço de hospedagem e transporte
para a grande quantidade de empreendedores, boa parte
japoneses, que chegavam à região. E
assim Takahashi conseguiu custear o estudo superior
dos filhos.
Creuzo Takahashi, já formado em ciências
agronômicas pela Esalq, foi um dos cafeicultores
pioneiros na região do cerrado. O primeiro
plantio do café na região, conta Takahashi,
foi na Serra do Salitre, em 1980. Havia muito ceticismo
quanto ao futuro do café no cerrado, por conta
da baixa fertilidade do solo. “A terra do cerrado
é usada apenas como suporte”, explica
o produtor. Deve ser, portanto, cientificamente tratada
para que o cultivo de café seja eficaz. Hoje,
o café do cerrado não apenas é
viável, como se tornou referência mundial
em produtividade e tecnologia.
Em Guarujá, a palestra de Takahashi foi um
contraponto otimista ao discurso anterior, feito por
Norberto Paschoal, um dos maiores produtores de café
do país, que havia alertado para a alta do
custo de produção e a possibilidade
de forte escassez nos próximos dois anos. Takahashi
disse que os produtores de sua região, no cerrado
mineiro, têm conseguido preços bastante
favoráveis. Ele admitiu que o custo dos insumos
vem subindo a um ritmo forte, mas a sua cooperativa
conseguiu comprar todo material necessário,
para aplicação em setembro, antes do
aumento formidável de 130% ocorrido este ano.
“Compramos R$ 10 milhões em adubo. Já
garantimos a aplicação deste ano, feita
em setembro. Ou seja, garantimos a produtividade para
o ano que vem”.
“O café está vivendo um bom momento,
mas não como a gente esperava”, explica
Takahashi. Na sua opinião, o café vive
ciclos de 4 anos, alternando bons e maus momentos.
Depois de 4 anos ruins, o café agora vive os
seus 4 anos bons. Ele tem notado expansão de
lavouras por parte dos grandes produtores. Os pequenos
têm investido principalmente em renovação.
A Copermonte, informa, possui 212 associados, sendo
10 grandes (acima de 500 mil pés), 120 médios
(100 a 500 mil pés) e cerca de 70 pequenos
(menos de 100 mil pés). O faturamento esperado
para este ano é de R$ 75 milhões, com
expectativa de receber 200 mil sacas, das quais 70
mil já foram vendidas, a R$ 290 a saca, em
média.
Em 2007, informou, a caixa da Copermonte registrou
sobra de R$ 1,28 milhão, do quais 10% foram
distribuídos para os 52 funcionários,
e o restante para os cooperados – 45% na forma
de benefício, como sacaria grátis e
redução do custo de armazenagem, e 45%
na forma de capital social do cooperado. Com parte
da verba, a cooperativa adquiriu uma nova estrutura
de beneficiamento, na qual investiu R$ 1 milhão
em maquinário para separação
de peneiras. Será o quarto armazém da
cooperativa, que já possuía um centro
de beneficiamento voltado para os produtores pequenos.
O segredo do sucesso da cooperativa, explica Takahashi,
é o uso intensivo de ferramentas de mercado
futuro, que têm garantido a segurança
financeira da instituição e dos cooperados.
O endividamento da Copermonte é baixo, somente
R$ 10 milhões. “Temos R$ 15 milhões
a receber dos produtores e já compramos o adubo
para este ano. Temos zero de inadimplência”.
A região de Monte Carmelo, além do café,
cultiva um pouco de grãos e possui muitas granjas,
sobretudo de criação de peru. Possui
ainda indústrias de cerâmica. A irrigação,
quase toda por gotejamento, já atinge 60% das
lavouras de café, tendo chegado quase ao limite
hídrico da área. A mecanização
também é alta, alcançando cerca
de 50% do processo de colheita. A mão-de-obra
na colheita é quase toda local, com cerca de
30% vinda de fora. A diária está em
R$ 30,00 e 99% dos contratos respeitam as leis trabalhistas,
com assinatura de carteira. “É raro haver
alguma notificação do Ministério
do Trabalho por aqui”, diz Takahashi.
A previsão de safra para o cerrado, segundo
ele, é de 4 a 5 milhões de sacas este
ano, um bom volume. Mas a qualidade preocupa. “O
índice de café verde está alto,
muito desigual. Mas o maquinário que adquirimos
irá facilitar a separação dos
grãos indesejáveis”.
Ele admite que as cooperativas têm problema
de falta de rotatividade de seus diretores porque
a maioria esmagadora dos associados não tem
condição ou tempo para administrar.
“Eu mesmo, só assumi a parte executiva
depois que vendi minha fazenda. Estou voltando à
lavoura em breve e deverei repassar a responsabilidade
para outra pessoa”. Ele observou ainda que o
cooperativismo, para cumprir seus objetivos sociais
e ser viável financeiramente, deve basear-se
em rígidos princípios éticos,
os quais devem estar presentes no próprio estatuto
das instituições.
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