Mal
sabia ele que, poucos anos e muitas descobertas depois,
os “poços” da Petrobras teriam
tamanha relevância. Refiro-me a Severino Cavalcanti,
presidente da Câmara em 2005, e sua memorável
frase: “o que o Presidente me ofereceu foi a
diretoria que fura poço. É essa que
eu quero!”. Cobrava indicações
políticas. Com a mesma naturalidade que, recentemente,
o ministro do Trabalho – favor não confundir
com o de Minas e Energia - antecipou descobertas fora
de sua competência. A Petrobras teve que emitir
notas confirmando. Todo dia saem notícias sobre
novos impostos, royalties e fundos para a utilização
dos recursos futuros. E não é só
petróleo. Fala-se em novos impostos à
mineração. Perigo: o que se extrai do
solo pode se esvair na terra. Vai ser fundamental
saber administrar e colocar os incentivos corretos
para que a abundância não vire escassez.
Não há evidências econômicas
que a abundância de recursos naturais leve necessariamente
ao crescimento sustentado ou à melhora no bem-estar
da população. Se houver incentivos corretos
para a inovação, o empreendedorismo
e o investimento, o crescimento virá forte.
A Noruega combinou petróleo com investimento
em educação, e, hoje, é um rico.
Há países petrolíferos cuja população
permanece pobre. Há exemplos do contrário.
Cingapura enriqueceu sem nenhum recurso natural e
encontra-se melhor que a vizinha Malásia, rica
em petróleo. Israel tem uma renda per capita
superior aos seus vizinhos árabes, baseada
numa economia forte em alta tecnologia, sem recursos
naturais.
Os casos da Argentina e do México são
emblemáticos. A intervenção em
várias áreas da economia, a fixação
de preços artificialmente e a cobrança
crescente de impostos nos setores mais dinâmicos
geraram a situação atual de inflação
fora do controle e a escassez de produtos devido às
greves dos setores prejudicados. No México,
a exploração política da companhia
petroleira Pemex acabou levando à queda dos
investimentos e das reservas disponíveis de
petróleo. Hoje, a carga tributária mexicana
é fortemente dependente dos impostos à
Pemex.
No Brasil, há sinais de maior intervenção
política nas decisões privadas, e não
me refiro aqui apenas ao caso noticiado da venda da
Varig. A recente criação da supertele,
com a compra da Brasil Telecom pela Oi, viabilizada
pelo governo, não deve beneficiar o consumidor.
O objetivo político é criar uma grande
empresa brasileira (para quê, mesmo?). O próximo
passo parece ser a criação da superfarmacêutica,
com os mesmos objetivos políticos. Nos últimos
anos, a ingerência política nas agências
reguladoras é crescente.
Com a descoberta do petróleo nos novos campos
e o aumento vertiginoso do seu preço, o voluntarismo
político parece ter crescido. Não é
só que há uma profusão de idéias
de como abocanhar uma parcela maior das descobertas
através de mais impostos, royalties e fundos
específicos. Mas, crescentemente, ignora-se
que a Petrobras é uma empresa que tem ações
na bolsa e sócios em vários projetos.
Dentre os acionistas, encontram-se pulverizados aqueles
que adquiriram as ações através
de programas do governo, como fundos com recursos
provenientes do FGTS ou, implicitamente, através
do programa PIBB do BNDES, em que vários acionistas
menores tiveram acesso às ações
do Bovespa. A princípio, o que une os interesses
da Petrobras, seus acionistas e sócios é
a busca da eficiência e do menor custo. Explorar
o petróleo nas camadas profundas do litoral
brasileiro vai exigir muito planejamento, investimento
e tecnologia de ponta. Fazê-lo ao menor custo
é um bem para o país.
Em artigo de 10 de junho, no jornal Valor Econômico,
a jornalista Cláudia Schüffner revela
o desejo do governo, através da ministra-chefe
da Casa Civil, de que as encomendas de plataformas
semi-submersíveis e navios-sonda sejam feitas
no país, mesmo a um custo muito maior e com
o risco de atrasar a exploração. Apenas
quando o Sindicato Nacional da Indústria da
Construção e Reparação
Naval e Offshore (Sinaval) admitiu, relutantemente,
que não teria condições de atender,
no prazo desejado, às 12 primeiras encomendas,
o governo resignou-se a permitir que a Petrobras cumpra
o seu papel, ou seja, zele pela forma mais barata
de explorar o petróleo. Mas só em relação
às primeiras unidades. As outras 28, do total
de 40, terão que ser feitas no Brasil, a custo
maior e qualidade ainda a se verificar. A idéia
é incentivar (artificialmente) as indústrias
nacionais. Esse caso me lembra a Lei de Informática,
quando se tentou, à base de limitações
e proibições, alcançar uma tecnologia
de ponta. Deu no que todos vivenciaram: anos de atraso
até a suspensão do programa. No atual
ritmo dos eventos, a Petrobras tem que se cuidar para
não terminar como a Pemex, do México.
E não é só no petróleo.
Segundo notícias veiculadas neste fim de semana,
o governo quer propor um novo marco regulatório
no setor de mineração e aumentar os
impostos sobre a exploração de minerais.
É a reação política ao
aumento de preços no mercado internacional.
Não bastaria ao país mais emprego e
renda como resultado desses aumentos de preços.
Há o desejo de aumentar os impostos (e elevar
a carga tributária ainda mais).
A ideologia centralizadora e intervencionista tem
riscos claros. Há a crença de que a
mão firme e a decisão por poucos no
governo possam levar a resultados mais satisfatórios
do que aqueles que viriam naturalmente das decisões
dos especialistas em cada uma das áreas da
economia. Mas o dirigismo na economia é campo
fértil para exploração política
das decisões por aqueles que sempre estão
atrás das “rendas” do Estado, aqueles
ganhos que advêm da detenção de
privilégios, dados pelo jogo do poder e permitidos
pelo subdesenvolvimento das regras de proteção
ao coletivo.
Ilan
Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos,
diretor do IEPE da Casa das Garças e professor
da PUC-Rio, igoldfajn@cianoinvest.com.br
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