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Junho 2008 - Ano 87 - Nº 826

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A importância da cafeicultura de Cantagalo, no século XIX, deveu-se, principalmente, ao grande latifúndio adquirido pelos Clemente Pinto, sendo que, entre eles, o mais ilustre talvez tenha sido Antonio, 1º barão de Nova Friburgo, o qual aportou no Brasil, vindo de Portugal, por volta de 1808, aos 12 anos de idade.

Em 1855, recém-titulado como barão, declarou, no registro paroquial de terras, possuir as sesmarias de São José, Boa Sorte, Santa Thereza, Santa Marta, Santa Rosa do Retiro, Póvoa, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora do Desterro e São Manoel, além de inúmeras posses de terras, compradas ou legitimadas.

Com a firma Clemente Van Erven e Cia., declarou ter ainda as sesmarias d’Água Quente, Paciência, Boa Fé, Santa Julianna e São Martinho, terras nas sesmarias de São Joaquim, e por fim, com a firma Clemente & Beliene, uma sesmaria e meia, onde se encontrava sua fazenda de café. Considerando-se que uma sesmaria correspondia a meia légua de terras em quadro, é possível imaginar a extensão das propriedades do barão.

Ele se tornou célebre depois de construir o Palácio do Catete, que, após sua morte, em 1860, foi vendido por seu filho Antonio Clemente Pinto e, mais tarde, tornou-se sede do governo, durante a República e até a transferência para Brasília.

Homem de visão empreendedora, além de optar por técnicas modernas em fazendas, fez construir uma linha de trem interligando-as com a Baixada Fluminense, para o escoamento da produção.

A família Clemente Pinto preferia uma arquitetura requintada na construção de suas moradias. Sabe-se que o 1º barão de Friburgo contratou mão-de-obra especializada vinda da França, Alemanha e Portugal, como arquitetos, escultores, estucadores, gravadores, pedreiros, carpinteiros, entre outros, para edificação do Palácio do Catete. Sua paixão pelo trabalho em cantaria pode ser percebida tanto neste prédio como nas fazendas do Gavião e de Areias, em Cantagalo. Os detalhes impressionam pela delicadeza e, ao mesmo tempo, pela grandiosidade.

Quando faleceu, deixou um legado a seus dois filhos, Antonio Clemente Pinto Filho, futuro conde de São Clemente, e Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, que se tornaria conde de Nova Friburgo, uma fortuna extraordinária, que contava 2.183 escravos, avaliados em 1.999.200 contos de réis, 5.904.000 pés de café e 9.840 alqueires de terras, localizadas em Cantagalo (6.860 alqueires), Nova Friburgo (2.080) e São Fidélis (900). A avaliação total de seus bens chegou a 6.909.371,780 contos de réis.

Hoje, são poucas as propriedades deixadas pelo barão de Nova Friburgo que ainda se encontram de pé. Seguem, então, alguns detalhes de uma delas: a fazenda de Areias. Boa parte do seu conjunto original de edificações foi demolida ou destruída pelo tempo, mas o que resta nos permite acreditar que a vida nesta fazenda, a administração e o cultivo do produto mais importante do Império em terras fluminenses eram de intensa atividade.

Em Areias, o proprietário estabeleceu regras rígidas para o administrador, tanto no trato da lavoura como nos cuidados com a alimentação e saúde dos escravos e na condução dos trabalhos agrícolas. Sobre isso, não nos deixa mentir o documento datado de 1870, encontrado na fazenda e publicado, tanto o manuscrito como sua transcrição, no livro Negro de corpo e alma, na ocasião da Mostra do Redescobrimento.

A seguir, apresento alguns trechos que merecem ser ressaltados, como, por exemplo, o item que trata da colheita do café:
“(...) sempre se deve colher em 1º lugar onde o caffé se achar mais adiantado na madureza, e em 2º lugar onde o caffé estiver mais carregado. Não he admissível o sistema de colheita que principia todos os annos no mesmo lugar, e correr os caffezaes na mesma ordem; o administrador que seguir esta regra mostra bastante indiferentismo pelo bom resultado da fazenda e, faz crer que não quer ter o incommodo d’examinar com attenção os caffezaes para dar as necessárias ordens.

Está estabelecida a regra de botar todo o caffé no chão (motivado pela altura dos caffezeiros). Nos caffezaes novos porem, nos quaes a altura dos pés não exceder a 12 palmos, deve-se apanhar logo o caffé nas peneiras; principalmente no principio da colheita, quando ainda não tem cahido caffé no chão.

He proibido bater com varas nos caffezeiros para desligar o fructo, porque ofende a planta e espalha o caffé para os lados nas carreiras da capina.

Deve-se recomendar aos escravos de apertar o menos possível a mão para tirar o fructo do galho, afim d’evitar que se desfolhe o caffezeiro; e ainda mais cuidadoso deve-se ser, se a colheita se estende até a primeira flor.”

Feita a colheita as instruções para o beneficiamento eram as seguintes:

“Todo o caffé deve ser lavado no mesmo dia em que for colhido, e logo demanhã no dia seguinte ser espalhado nos terreiros o caffé que vem seco da roça e despolpado o maduro, por isso os lavadores são construídos para separar na lavagem o caffé seco do maduro. O caffé despolpado junto n’um monto no tanque deve assim ficar por 24 horas pa. a parte gommosa passar pelo processo de fermentação, afim de poder sahir com facilidade quando lava-se este caffé; depois de lavado deve ser espalhado logo nos terreiros; conhece-se o caffé despolpado bem lavado pela aspereza do grão. O feitor de terreiros e o administrador devem prestar toda attenção á lavagem do caffé, para ver se fica bem limpo, que a separação do maduro e do seco seja feita com cuidado, para se obter a maior quantidade possível de caffé... Despolpar, e para ver que não escape algum com água suja do lavador; qualquer descuido causa grande prejuízo. O bom caffé se faz no terreiro (he um dito) e com toda a razão; porque o caffé mal tratado no terreiro n’unca será de primeira qualidade.”

“O caffé deveria ser espalhado no terreiro de maneira que n’unca um grão cobrisse o outro; porem não há terreiros suficientes por isso deve-se procurar de aproximar-se o mais possível a este principio (...).”


“O caffé continuamente deve ser mexido no terreiro. Em quanto o caffé não estiver exposto ao sol 8 dias, não deve ser amontuado, embora apanhe sereno ou chuva: depois de 8 dias cessa o receio d’elle fermentar, e então deve-se ter todo o cuidado que não apanhe sereno ou chuva, amontuando-se todas as tardes, e nas ocasiões d’ameaças de tempo (chuva), cobrindo-o à noite com pano ou sapê. Se derepente ameaçar chuva, deve-se tocar o sino e a este sinal, todos os empregados como os escravos devem correr aos terreiros para auxiliar o ajuntamento do caffé.”

“Quando o grão do caffé principiar a tomar cor verde escuro, pode ser recolhido para o armazém; no caso de faltar terreiros para secar outro caffé he melhor deixa-lo no terreiro até que estále entre os dentes e tenha tomado uma cor verde desmaiada.”

“Embora elle seja recolhido n’este estado, he necessário tornar a expol-o ao sol por um ou dous dias antes de ser levado ao engenho para ser descascado.

Em geral deve-se olhar para a limpeza no Engenho; observar a polpa que sahe do despolpador, e a casca que sahe dos ventiladores, para evitar-se para que não se pérca caffé por estes caminhos.

Conforme a força do motor, e quantidade d’agua nas diferentes estações, deve-se ventilar por mais vezes o caffé e burnil-o por meia hora antes de ser entregue ás catadeiras, para livrar estas da poeira; e duas horas ou mais, depois de ser catado, até elle ficar com bonito lustro; o tempo varia conforme a qualidade do caffé.

Como se exige no mercado a pêlle prateada do caffé despolpado ser solta em redor do grão (e não pegadas no mesmo), deve-se socar pouco esta qualidade de caffé, e mesmo ventilar pouco; está conhecido qe. este caffé não deve ser burnido.

A catagem será feita pr. taréfa, porem o feitor dos terreiros, varias vezes por dia, deverá examinar o caffé das catadeiras, e fazer ver qualquer defeito que observar; d’este procedimento tira-se as melhores vantagens do que pelo muito castigo na hora de tomar a taréfa.

Ter sempre em vista qe. o caffé pa. ensacar, deve ser bem seco, bem catado e bem burnido, e quando for despolpado, com bastante pélle prateada em redor da amêndoa do caffé.

Para uma fazenda bem administrada deve ter somente treis qualidades de caffé, a saber despolpado bom, caffé fino e escolha, qualquer outra qualificação de caffé, he devido a negligencia na preparação.”

Trazer à luz, nos dias de hoje, um documento raro como este, rico em detalhes sobre o cotidiano de uma fazenda de café do século XIX, é um verdadeiro privilégio, embora aqui o espaço não permita transcrevê-lo integralmente.

A fazenda de Areias, e, provavelmente, todas as que pertenciam à família Clemente Pinto, devia seguir essas instruções, e para os estudiosos da história da cafeicultura e do trabalho escravo no Brasil este documento é uma fonte das mais preciosas.


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