No
apagar da luzes do ano de 2008, em meio às notícias
de crise econômica mundial, uma notícia
que traz um “pouco” de alívio às
empresas: a publicação da Medida Provisória
n.º 449 de 03/12/2008 (DOU 04/12/2008), que, entre
outros assuntos, veio assegurar a neutralidade dos efeitos
tributários decorrentes da convergência
do “sistema contábil” nacional às
Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS –
International Financial Reporting Standard), por força
das disposições contidas na Lei n.º
11.638/2007.
A referida MP instituiu o Regime Tributário de
Transição - RTT, o qual veio estabelecer
diversos procedimentos a serem observados pelas pessoas
jurídicas, a fim de neutralizar os efeitos fiscais
decorrentes da adoção do novo padrão
contábil. Registra-se que, nos anos calendários
de 2008 e 2009, o RTT será optativo, sendo obrigatório
somente a partir do ano-calendário de 2010 (MP
n.º 449, art. 15, § 1.º).
A adesão às normas internacionais de contabilidade
implicam em diversas mudanças nos critérios
de contabilização que importam na alteração
do resultado contábil. Em decorrência disso,
fomentada pela opinião de especialistas, logo
se alardeou na mídia nacional que a aplicabilidade
das novas regras contábeis importaria em aumento
expressivo da carga tributária. Isso porque,
a nova sistemática contábil poderia majorar
o lucro contábil, o qual (após algumas
adições e exclusões previstas na
legislação) constitui a base de incidência
do IRPJ e da CSLL.
Podemos dizer que a instituição do RTT
demorou além da conta, já era tempo de
colocar uma “pá de cal” sobre a polêmica
discussão entre tributaristas e contabilistas,
da qual surgiram posicionamentos divergentes quanto
à suposta majoração da carga tributária.
O debate se pautava sobre as interpretações
antagônicas da legislação, entendendo
uns que a adoção das novas regras contábeis
não importava em majoração da base
de incidência de tributos, enquanto outros, ao
contrário, vislumbravam a hipótese de
aumento, principalmente da base de incidência
do IRPJ e da CSLL.
De nossa parte, quando da edição da Lei
n.º 11.638/2007, em artigo publicado no informativo
“Direito em Questão”(1), sustentamos
o entendimento de que o legislador não objetivou
a alteração das regras relativas à
apuração do IRPJ e da CSLL, bem como de
quaisquer outros tributos. Efetivamente, a Lei n.º
11.638/2007 tem por fim adequar e ajustar a nossa legislação
a padrões internacionais de contabilidade. Nesse
sentido, a referida lei fez diversas alterações
nos dispositivos da Lei n.º 6.404/76 - Lei das
S.A., fazendo constar expressamente no seu art. 177,
parágrafo 7º, que os lançamentos
de ajustes contábeis efetuados em observância
ao novo padrão contábil não alteram
a base de incidência de impostos e contribuições.
Dessa forma, naquela oportunidade, concluímos
que, caso viesse o Poder Executivo regulamentar a matéria
por meio de decretos e instruções normativas,
de forma que as normas contidas na Lei n.º 11.638/07
implicassem majoração da base de cálculo
do IRPJ e da CSLL ou de outros tributos, essa normatização
estaria viciada de ilegalidade.
Inobstante à obviedade do fato de que a adoção
do novo padrão contábil não deveria
implicar em majoração da carga tributária,
é inegável que a Lei n.º 11.638/2007
foi omissa em estabelecer regras claras e específicas
quanto ao tratamento a ser dado aos ajustes contábeis
decorrentes da aplicabilidade da lei em comento. Por
conta disso, surgiram vozes que pregavam que os lançamentos
contábeis que importavam em aumentar o lucro
líquido da empresa dariam ensejo à majoração
da base de incidência do IRPJ e da CSLL, pois
que não havia na legislação normas
específicas que determinavam a exclusão
desses valores na determinação do lucro
real da pessoa jurídica. De fato, como já
era de se esperar, as autoridades fiscais da Receita
Federal começaram a se posicionar com esse entendimento,
em processos de consulta ao Órgão Fiscal,
como exemplo, a decisão no Processo de Consulta
nº 75/08, proferida pela Superintendência
Regional da Receita Federal da 10ª Região
Fiscal.
“Mas, por outro lado, alguns especialistas da
matéria, sobretudo representantes do setor contábil,
entendiam que a pessoa jurídica deveria adotar
uma escrituração contábil para
fins fiscais e, a partir desta, constituir uma contabilidade
societária, na qual se aplicariam as adaptações
às normas internacionais de contabilidade. A
contabilidade societária surgiria por meio de
ajustes no denominado LALUC - Livro de Apuração
do Lucro Contábil(2). A adoção
desse procedimento permitiria atingir a neutralidade
fiscal almejada pelo legislador. Efetivamente, ao nosso
ver, esse entendimento era coerente com a redação
dada pela Lei n.º 11.638/2007 aos parágrafos
2º e 7º do art. 177 da Lei das S.A.
No entanto, a MP 449/2008 alterou novamente a redação
do parágrafo 2º e revogou o parágrafo
7º do art. 177 da Lei das S.A. Constata-se que,
com a nova redação desse dispositivo legal,
não há mais que se falar na necessidade
escrituração do LALUC. Com efeito, não
é mais necessário segregar a escrituração
contábil em uma contabilidade fiscal e outra
societária, haja vista que os ajustes necessários
com o fim de neutralizar os efeitos tributários,
decorrentes da adoção do novo padrão
contábil serão realizados em controles
extracontábeis, nos livros ou registros auxiliares,
principalmente no LALUR – Livro de Apuração
do Lucro Real. Essa linha de raciocínio é
extraída da Exposição de Motivos
da MP n.º 449/2008, que na justificativa da revogação
do parágrafo 7º da Lei n.º 6.404/1976.
Deveras, além da MP conter normas específicas
que buscam “anular” os efeitos tributários
decorrentes do novo padrão contábil, o
parágrafo 1º do seu art. 15, preceitua que
o RTT vigerá até a entrada em vigor de
lei que discipline os efeitos tributários dos
novos métodos e critérios contábeis,
buscando a neutralidade tributária. Portanto,
está explicito que deve sempre prevalecer a interpretação
de que a aplicabilidade dessas normas não deve
desassociar-se da necessária neutralidade tributária.
Merece destaque o fato da MP n.º 449, nos seus
artigos 36 e 37, fazer novas alterações
nos dispositivos da Lei n.º 6.404/76, buscando
melhorar a regulação introduzida pela
Lei n.º 11.638/2007, com o objetivo de “proporcionar
a plena harmonização dos padrões
contábeis brasileiros aos padrões contábeis
internacionais, que já é o objetivo maior
da própria Lei nº 11.638, de 2007, em consonância
com a adoção do Regime Tributário
de Transição, previsto no art. 17 e seguintes”(3).
São diversas as regras a serem observadas pelas
pessoas jurídicas que optarem pelo RTT, das quais,
entre outras, destacamos as seguintes:
a) as alterações introduzidas pela Lei
nº 11.638 de 2007 e pelos arts. 36 e 37 da MP 449/2008
que modifiquem o critério de reconhecimento de
receitas, custos e despesas computadas na apuração
do lucro líquido do exercício definido
no art. 191 da Lei nº 6.404/76 da apuração
do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT,
devendo ser considerados, para fins tributários,
os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007;
b) caso a pessoa jurídica venha optar pela adoção
do RTT no ano-calendário de 2008, ele deverá
ser aplicado também no ano-calendário
de 2009, sendo vedada aplicação do regime
em um único ano-calendário;
c)
a opção pelo RTT deverá ser manifestada,
de forma irretratável, na Declaração
de Informações Econômico-Fiscais
da Pessoa Jurídica 2009 - DIPJ
d)
na hipótese de início de atividades
no ano-calendário de 2009, a opção
será manifestada, de forma irretratável,
na DIPJ de 2010;
e)
na ocorrência de disposições da
lei tributária que conduzam ou incentivem a
utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes daqueles determinados
pela Lei nº 6.404/1976, com as alterações
da Lei nº 11.638/2007, e dos arts. 36 e 37 da
MP n.º 449/2008, e pelas normas expedidas pela
CVM e demais órgãos reguladores, a pessoa
jurídica sujeita ao RTT deverá: (i)
apurar o resultado tendo por base todas as normas
ora destacadas para a apuração do resultado
do exercício antes do Imposto sobre a Renda
deduzido das participações de debêntures,
de empregados e administradores empregados, e de fundos
de assistência ou previdência de empregados
que não se caracterizem como despesas; (ii)
realizar ajustes específicos ao lucro líquido
do período, na apuração do lucro
real no LALUR- Livro de Apuração do
Lucro Real, que revertam o efeito da utilização
de métodos e critérios contábeis
diferentes daqueles da legislação tributária,
baseada nos critérios contábeis vigentes
em 31 de dezembro de 2007; (iii) realizar os demais
ajustes, no LALUR, de adição, exclusão
e compensação, prescritos ou autorizados
pela legislação tributária, para
apuração da base de cálculo do
imposto.
A
MP n.º 449/2008 estabeleceu, ainda, regras específicas
para fins de aplicação do RTT aos valores
recebidos a título de subvenção
para investimento e de prêmio na emissão
de debêntures para que não sejam computados
na determinação do lucro real (arts.
18 e 19). Essa matéria requer uma abordagem
com maior profundidade, o que foge ao escopo deste
breve artigo.
Enfim, constata-se que houve avanço positivo
da legislação que trata da matéria,
estabelecendo expressamente a ausência de ônus
tributário na adoção dos novos
métodos e critérios contábeis
introduzidos pela Lei n.º 11.638/2007 e pela
própria MP n.º 449/2008, determinando-se,
para fins tributários, a aplicabilidade dos
métodos vigentes até 31.12.2007. Nossa
crítica fica por conta do caráter transitório
das normas, requerendo o tema, uma melhor regulamentação
com caráter de definitividade.
Em conclusão: entendemos que, em regra, as
pessoas jurídicas devem optar pelo RTT, a fim
de assegurar a neutralidade tributária na aplicação
das novas normas contábeis nos anos-calendário
de 2008 e 2009, exceto em relação àquelas
pessoas jurídicas que eventualmente por situações
específicas podem ser beneficiadas por não
adotar o referido regime.
Alvimar
Carlos Alves de Souza
Advogado e Contabilista associado da Bergi
Advocacia
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(1) Informativo editado pela Bergi
Advocacia – Ano I n.º 03 - janeiro a março
de 2008.
(2) Procedimento sugerido pela FIPECAFI
– Fundação Instituto de Pesquisas
Contábeis, Atuariais e Financeiras, em palestra
proferida pelos seus representantes, os Drs. Eliseu
Martins e Ariovaldo dos Santos - disponível
no site de internet da entidade – www.fipecafi.com.br.
(3) Exposição de Motivos
da MP 449/2008.
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