Já
fazia um tempinho (6 anos) que não ia visitar
as regiões cafeeiras da Colômbia para
verificar as condições em que a lavoura
e os cafeicultores vêm se desenvolvendo naquele
país.
Com áreas de café numa topografia muito
inclinada, que dificulta os tratos, colhendo café
quase o ano todo, através de 12-16 passadas,
tem-se a impressão inicial de que os cafeicultores
colombianos são muito loucos. Mas, conhecendo
melhor os aspectos favoráveis, como o clima
e o solo muito adequados e tendo ciência do
grande apoio que os produtores dispõem, além
de preços melhores dos seus cafés, em
relação aos nossos, chega-se à
conclusão de que existe uma boa compensação
para aqueles problemas, e observa-se, assim, que os
cafeicultores são loucos, mas não muito,
como diz o nosso título.
Cafeicultura
de pequenos
A cafeicultura da Colômbia é feita nas
áreas altas de três cordilheiras, mais
ou menos paralelas, que cortam o país no sentido
Norte/Sul. São a Central, a Oriental e a Ocidental.
O café é cultivado numa área
de cerca de 600 mil ha, com produção
anual ao redor de 12 milhões de sacas/ano.
Existem na Colômbia cerca de 560 mil produtores
de café, o que dá uma média de
apenas cerca de 1 ha de lavouras por propriedade.
Na principal região, que abrange os Estados
de Caldas, Quindio e Risaralda, a qual visitamos recentemente,
64% dos produtores têm menos de 1,0 ha, 31%
têm de 1-5 ha e somente 5 % têm mais de
5 ha de lavouras de café por propriedade. Pode-se
ver, então, que a cafeicultura colombiana é
predominantemente de pequenos produtores.
Clima,
solo e sistema de plantio favoráveis
As zonas cafeeiras da Colômbia se localizam
em condição equatorial, onde as temperaturas
pouco variam ao longo dos meses do ano. São
cerca de 2000 horas de luz por ano. As chuvas são
abundantes e bem distribuídas. Assim, os cafeeiros
dão inúmeras floradas e não existem
déficits hídricos. Irrigação
na lavoura de café, nem pensar.
Os solos são de origem vulcânica, profundos,
férteis e com altos teores de matéria
orgânica, de 6 a 15%, com teores também
altos de Ca, K e P, sendo baixos somente em Mg. Por
isso, as formulações de NPK vem já
com 2-4% de MgO.
Os produtores maiores adubam até bem, com cerca
de 1,5 t de fórmula NPK/ha (17-10-18=S e Mg),
para conseguir uma produtividade de 50-70 sacas/ha
em plantações adensadas, sendo mais
comum o espaçamento 1 x 1 m, com 10000 pl/ha.
O sistema adensado é adequado, pois intensifica
o uso das áreas, protege o solo íngreme
e permite ganhos de produtividade por área.
Cafezal
adensado, com alto nível de tecnificação,
com a variedade Castillo, em Caldas,
CO, vendo-se ao fundo as colinas cafeeiras |
Vista
de cafezal com área de renovação,
aos 5 anos, através de recepa |
Variedade
resistente, sem ferrugem mas com muita broca
Na cafeicultura colombiana predomina, atualmente,
a variedade chamada de Colômbia, na versão
mais antiga ou, mais recentemente, na versão
selecionada chamada de “Colômbia excelso”
ou “Castillo”, uma melhoria das linhas
que compõem a variedade Colômbia inicial,
tratando-se de mistura de catimores. Nos cruzamentos
iniciais os pesquisadores do Cenicafé usaram
a planta do Híbrido de Timor diferente da nossa
no cruzamento com Caturra, e, assim, até o
momento, a Variedade Colômbia/Castillo tem se
mostrado imune à ferrugem do cafeeiro.
Diferentemente do que ocorre no Brasil, sobre a orientação
firme e continuada da Federación de Cafeteros,
através de seus Órgãos de pesquisa
e assistência técnica, os produtores
substituíram, quase que totalmente, a variedade
tradicional que cultivavam - a caturra- pela variedade
resistente. Deste modo, não se viu nenhuma
ferrugem na Colômbia, embora os técnicos
nos tenham informado que as poucas plantações
de caturra ainda remanescentes são muito atacadas
pela doença.
A variedade Colômbia, como todos os catimores,
é muito produtiva, porém é menos
vigorosa que as nossas variedades. No entanto, devido
às condições favoráveis
do ambiente, ela mostra pouco stress pela carga nas
lavouras colombianas, apesar de atacada pela cercosporiose,
dando indicação de sua fraqueza.
A adoção de uma nova variedade, combinada
ao sistema de plantio adensado e a pleno sol, diferentemente
do que era no passado, onde predominava o sombreamento,
foi uma grande vitória de sistema de pesquisa/extensão
na Colômbia. Lembra a época do ex-IBC,
nas décadas de 1970-80, quando se renovou quase
totalmente a cafeicultura brasileira, introduzindo
variedades mais produtivas e incorporando novas regiões
cafeeiras, que têm sido a base para a elevação
das produções/produtividades. Bons tempos
aqueles, em que o produtor, pequeno ou grande, tinha
a mesma assistência.
A adoção de variedade resistente à
ferrugem foi muito acertada, pois o controle químico,
especialmente aquele via pulverização,
seria muito difícil, pela topografia, pelas
chuvas e pelo adensamento. Tanto assim, que a broca
do café, para a qual não se dispõe
de resistência genética, dá um
sufoco nos produtores, embora seu controle químico
seja mais fácil do que o da ferrugem.
Vimos lavouras com pouco mais de um ano de campo,
com pequena frutificação e, mesmo assim
com frutos broqueados. Essa situação
é inusitada para nós aqui do Brasil,
já que a população da broca ainda
não se estabelece a nível prejudicial.
As condições agravantes para o maior
ataque da broca nos cafezais da Colômbia nos
parecem ser a frutificação constante,
que mantém alimento (frutos) o ano todo, e
chuvas favoráveis, sem períodos secos,
além do adensamento. Estranho é ver
que um fator atenuante, a colheita parcelada e constante,
que tira os frutos maduros, portanto podendo reduzir
a população da broca na lavoura, não
consegue diminuir significativamente o ataque.
Controle
da broca
A broca é muito importante para o café
da Colômbia, pois o bom aspecto dos grãos,
característica marcante dos cafés suaves
colombianos, é prejudicado por qualquer dano
no grão provocado pela broca. Uma pequena “mordida”
da broca, na margem do grão de café,
chega a baixar o seu preço. Lá, isso
se conhece como “beso” (beijo para nós)
de broca.O controle químico, como já
dissemos, é difícil, ainda mais que
lá só admitem inseticidas menos tóxicos,
sendo o Endossulfan proibido, porém usado de
forma camuflada. Recomendam 1,75 l/ha de produto a
base de Chlorpirifós. Alguns produtores usam,
ainda, 2 aplicações anuais de formulações
de esporos do fungo Beauveria bassiana. De modo complementar
é indicada a Re-Re, que significa revisar e
recolher, visando não deixar frutos na lavoura,
porém é uma operação difícil
e custosa, dificultada pelas chuvas e pelo adensamento.
É mais problemática a retirada dos frutos
do chão,para esta tarefa sendo desenvolvida
uma máquina costal, tipo um aspirador de pó,
visando facilitar essa coleta.
A amostragem da broca é feita através
de armadilhas de álcool (etanol + metanol).
Renovação
em ciclos curtos
Uma boa lição que tiramos da cafeicultura
colombiana aumentou nossa convicção
de que os cafezais no Brasil precisam ser renovados
em ciclos mais curtos. Uma fazenda altamente tecnificada
que visitamos, a Fazenda Palestina, adota uma renovação
anual de 20%. O café plantado é renovado
depois dos 5 anos. Metade da área é
recepada, para brotação, e metade é
substituída por novo plantio. O mais usual
é fazer a renovação apenas através
de ciclos mais curtos de recepa baixa, lá conhecida
como “soqueo”. Com esse sistema tem-se,
sempre, plantas novas, produtivas e de porte mais
baixo, facilitando todos os tratos e a colheita.
Lembra-se que o sistema é aplicado em lavouras
com cerca de 10 mil pl/ha, ou seja, com adensamento,
o que facilita, no retorno da brotação,
manter alta produtividade mesmo com uma safra zero.
Aqui no Brasil vimos trabalhando na pesquisa onde
combinamos diferentes sistemas de adensamento com
variedades, visando identificar a melhor alternativa
de ciclos de poda. Estamos convencidos, especialmente
em áreas montanhosas, que as lavouras de café
devem ser conduzidas sem poda em ciclos mais curtos,
podando a cada 3-5 safras, visando baratear a colheita,
o calcanhar de Aquiles em termos de custo de produção
de café nessas regiões. As recomendações
atuais indicam que só se deve podar em último
caso, quando não dá mais. A poda, assim,
vem sendo indicada por volta da 7ª/8ª safra
nos sistemas adensados e, para o sistema aberto, mecanizado,
após 10-12 safras.
Apoio
aos produtores
Diferentemente do que ocorre na cafeicultura brasileira,
a colombiana tem muito apoio governamental, através
da Federación Nacional de Cafeteros na forma
de programas de pesquisa e de assistência técnica,
do fornecimento de insumos, de crédito subsidiado
e de comercialização assistida.
O destaque, em nosso setor, é o CENICAFÉ,
Centro Nacional de Investigaciones Cafetaleras, onde
existe grande número de técnicos, com
toda a infra-estrutura de laboratório e de
campo. Lá trabalha uma Equipe multidisciplinar,
desenvolvendo e difundindo, de forma centralizada
e bem orientada, as tecnologias que são adequadas
à lavoura cafeeira e a outros cultivos de diversificação.
Fomos visitar o CENICAFÉ em Chinchiná
e fomos recebidos pelo seu Diretor, nosso colega e
amigo Gabriel Cadenas, que esteve no Brasil, na década
de 1980, fazendo sua tese em genética de café
no IAC-Campinas. Ficamos impressionados com a completa
biblioteca e com os laboratórios, onde os equipamentos
são usados por todos os setores de pesquisa,
sem exclusividade, o que faz com que o uso dos aparelhos
seja maximizado.
Discutimos a idéia de que, algum tempo, temos
cogitado implantar, também, um centro nacional
de café no Brasil. O Dr. Gabriel, que conhece
bem o sistema brasileiro de pesquisas espalhadas e
pouco coordenadas disse que não compreende
por que isso já não foi feito, já
que por sua vasta experiência no modelo colombiano,
acha muito válida a idéia.
Do CENICAFÉ as tecnologias são difundidas
aos produtores, usando a Equipe de AT da Federación
e através dos Comitês de Cafeicultores.
Tivemos oportunidade de conhecer o Comitê de
Caldas, em Manizales. Ali pudemos observar a estrutura
completa de centro de treinamento de pessoal, com
auditórios e salas, e conhecemos o programa
de informatização dos produtores, com
uma sala de informática permanentemente disponível
e assistida. O destaque é para o projeto “mis
cuestos” (meus custos), que levanta e analisa
os custos de produção dos produtores,
ajudando na gestão das propriedades.
É interessante o sistema de cadastramento e
votação dos cafeicultores para eleição
dos membros do Comitê de Cafeteros. Aqui no
Brasil, muitos dos nossos líderes certamente
não teriam votos suficientes nesse sistema.
Um programa em execução visa a renovação
de cafezais, com crédito subsidiado e, também,
é concedida uma ajuda para os pequenos produtores,
na compra de fertilizantes. Outros projetos contemplam
os aspectos de educação e saúde.
A estrutura de comercialização é
formada por Cooperativas, pela Federación e
algo por empresas privadas.
O preço externo do café, em dólar
por libra peso, é a base para formar os preços
internos, pagos aos produtores. Quando estivemos na
Colômbia em finais de junho, a cotação
estava em cerca de US$ 1.50 por lb peso, ou seja,
o equivalente a US$ 198.00 por saca, quando os nossos
preços de cafés no Brasil se situavam
em torno de US$ 150.00/saca. A contribuição
dos cafeicultores à Federación corresponde
a US$ 0.05/libra peso, ou seja, US$ 6.60 por saca.
Uma coisa interessante que verificamos na Colômbia
é que a agricultura é um setor considerado
vital para a economia do país. São vários
canais de tv com programas agrícolas e o mais
importante foi observarmos que a agricultura familiar
realmente funciona. Tudo que eles produzem pode chegar
ao mercado, mesmo um cacho de bananas ou uma dúzia
de tangerinas. Aqui no Brasil, o pequeno produtor
não tem acesso ao mercado, a menos que produza
um mínimo de caixas de frutas ou legumes.
Inovações
em destaque
Em
nossas visitas na região cafeeira e outras
regiões vizinhas observamos condições
diferenciadas e algumas novidades que aqui destacamos.
A região do vale del Cauca, cuja cidade pólo
é Cali, nos causou ótima impressão,
pela riqueza dos solos, pela topografia plana, e pela
boa agricultura ali praticada, relativamente à
cultura e a indústria da cana-de-açúcar,
das frutas, hortaliças e flores, além
do bom gado Brahman.
O software Agrowin nos foi demonstrado pelos engenheiros
que o criaram e por consultores que o utilizam junto
às fazendas de café, visando o controle
de custos e a gestão das propriedades. Ele
nos pareceu muito importante e bem desenvolvido.
Foi muito bom, também, conhecer uma fábrica/laboratório
de produção de produtos biológicos
(a Laverlan) para a agricultura, vacinas,fungos e
bactérias, visando o controle de pragas e doenças
das plantas.
Outra novidade foi conhecer e observar “in loco”
a aplicação do sistema de transporte
coloidal, pelo qual, com a adição de
produtos patenteados, podem ser obtidas reduções
de doses de defensivos, adubos e, até na construção
civil vimos casos de reduções drásticas
nas quantidades de cimento. Nos pareceu até
um milagre transformar solo em pedras e em concreto
para pisos, paredes, teto, piscinas etc.
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