O
Brasil é considerado um dos países mais
avançados do mundo em termos de rotulagem de
alimentos. Essa virtude, porém, não
tem sido suficiente para satisfazer parcela dos cafeicultores,
que reivindicam que o rótulo das embalagens
especifique a quantidade de café da espécie
arábica e conillon usada em sua composição.
O assunto é polêmico, já foi parar
em instâncias superiores da Justiça,
provocou reações ríspidas na
internet entre produtores e torrefadores e o governo
sinaliza mudanças por meio de Instrução
Normativa (IN). As determinações que
virão nessa nova norma ainda são de
desconhecimento público.
No
centro da celeuma está o Presidente da
Associação Paranaense de Cafeicultores
(APAC), Ricardo Strenger,
o mesmo que tempos atrás tomou a iniciativa
de interpelar na Justiça tradings que divulgavam
estimativas sobre a safra brasileira de café,
pedindo esclarecimentos sobre a metodologia aplicada
nas pesquisas. “Café arábica
e conillon guardam tamanha diferença entre
si que basta verificar o número de cromossomos,
que não é o mesmo, como se costuma
dizer. A sociedade, se quiser evoluir, tem de
exigir mais informações sobre o
que está bebendo”, diz Strenger. |
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O
Diretor Executivo da Associação
Brasileira da Indústria de Café
(ABIC), Nathan Herszkowicz,
argumenta que o setor cumpre as obrigações
legais, definidas pela Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Mais: lançou o Programa de Qualidade do
Café (PQC) em 2004, que funciona paralelo
ao Selo de Pureza, o qual prevê, entre outras
tarefas, caracterizar os tipos de grãos
na embalagem. “O dado não é
quantitativo, mas qualitativo, pois não
há metodologia, muito menos equipamento
que possa quantificar as espécies de café
em um blend”, justifica Nathan. |
Nesse
tiroteio, o governo mostra-se cauteloso. O Ministério
da Agricultura informa que está em estudo uma
IN que vai definir o padrão mínimo de
qualidade do café torrado e moído. Essa
IN ainda está tramitando nos diversos gabinetes
do ministério e, no momento, está em
discussão na Consultoria Jurídica.
A Gerente de Produtos e Desenvolvimento, Lucila Garcia,
do Grupo Santa Clara, a segunda maior indústria
torrefadora de café do País, defende
que a qualidade de um café “não
é simplesmente especificar o blend”.
Outros fatores interferem, como torração
e moagem. “A questão da rotulagem com
a informação das quantidades utilizadas
de café arábica e conillon não
traz nenhum benefício ao consumidor final”,
afirma o coordenador de Qualidade, Márcio Alexandre
Kreusch, da torrefadora Café Damasco, do Paraná,
acrescentando que a composição dos blends
é segredo de cada indústria. Nathan
endossa, dizendo que as torrefadoras desenvolvem seus
blends por meio de pesquisas, que demandam investimentos.
Mas o volume de arábica e conillon no rótulo
das embalagens não é o único
ponto de discórdia. Para o Presidente da APAC,
o café que chega à xícara tem
conillon demais, às vezes até 50% (a
ABIC estima que blends médios contenham 40%
de conillon), quando deveria ser apenas um complemento
ao blend composto por grãos arábica.
No longo prazo, isso poderá limitar o consumo
da bebida. “Trata-se de uma questão de
saúde, em particular para os cardíacos,
pois o conillon tem de 2 a 4 vezes mais cafeína
do que o arábica”, garante Strenger.
“A indústria menospreza esse fator, por
questão de custo mais baixo”.
O
Presidente do Centro de Comércio de Café
de Vitória (ES), Marcelo Netto,
retrucou enfaticamente: “a questão
da rotulagem é cortina de fumaça
para atacar o conillon, além de não
acrescentar informações ao consumidor.
É induzir o consumidor ao erro dizer que
quanto mais conillon, pior”, afirma. O Espírito
Santo é o principal Estado produtor de
café conillon, também chamado de
robusta. Nathan complementa dizendo que o fato
de o conillon ser mais barato não implica
necessariamente que seja pior. “O conillon
tem aplicação específica
no blend, corrige sabor, traz mais corpo ao café,
bem ao gosto do brasileiro”, garante. |
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“Os
produtores de conillon estão certos em defender
seu produto”, ressalta Strenger. “Nós,
do arábica, temos de fazer o mesmo”,
acrescenta. Ele explica que em 8 de abril de 2002
foi sancionada lei no Paraná, de número
13.519, que estabeleceu a obrigatoriedade de informação
das quantidades de arábica e conillon nos rótulos
de embalagens de café comercializado naquele
Estado. A indústria, por intermédio
da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), questionou a nova lei e entrou com Ação
de Inconstitucionalidade (ADIN), no Supremo Tribunal
Federal (STF). No dia 7 de maio de 2008, o STF julgou
a medida improcedente, dando ganho de causa ao governo
do Paraná. Até hoje, porém, a
lei não entrou em vigor por falta de regulamentação.
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