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Março 2010 - Ano 89 - Nº 833

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Os principais produtores de café da região serrana fluminense reuniram-se, no dia 11 de março deste ano, na Fazenda do Cedro, em Bom Jardim, recepcionando para um almoço com dois representantes da Illycafé. A Revista do Café participou do encontro, onde ouviu as propostas discutidas e entrevistou as pessoas. A torrefadora italiana mostrou-se disposta a estreitar laços com os cafeicultores fluminenses porque tem em vista a possibilidade de aumentar as compras de café da região. A perspectiva de vender maiores volumes para uma torrefadora tão rigorosa em termos de qualidade entusiasma os produtores do Rio. Efigênio Salles, presidente da Associação de Cafeicultores do Estado do Rio de Janeiro (ASCARJ), considerou o encontro com os representantes da Illy de grande importância para a cafeicultura do estado, pois selou o início do que ele espera ser uma duradoura parceria da torrefadora com os produtores fluminenses.

Os produtores de café do estado ainda sofrem com a falta de equipamentos de preparação e seleção qualitativa, que os obriga a mandar o café para o sul de Minas, para que seja padronizado antes de vendê-lo para os exportadores. Salles assegurou, porém, que o projeto de implantação de maquinário de rebeneficiamento no estado está em vias de acontecer. Será instalada em Varre-Sai, norte do estado, onde se concentra a maior parte da produção fluminense, e terá a capacidade de processar todo volume produzido no estado.

Os representantes da Illycafé eram o italiano Alessandro Bucci, responsável pela compra de café brasileiro em Trieste, sede da empresa, e Aldir Teixeira, especialista em qualidade, que hoje dirige a Universidade Illy do Café, coordena o Prêmio de Qualidade promovido pela empresa e é avalista dos cafés que a empresa recebe. E também o consultor Sérgio C. D’Alessandro.

A Fazenda do Cedro, gerida pelos irmãos Salles, Efigênio e Francisco, é uma belíssima propriedade situada num vale montanhoso a 800 metros de altitude, inteiramente ocupada com 250 mil pés de café. Comprada em 1979, sua produção cafeeira data de 1982. A área faz parte do que outrora foi uma imensa e tradicional fazenda de café, a Ipiranga.

Entrevista: Efigênio Salles, cafeicultor e presidente da ASCARJ
O presidente da ASCARJ festejou muito o encontro dos cafeicultores do Rio com representantes da Illycafé. Segundo ele, o evento, que reuniu os principais produtores da região serrana, os estimulará a buscar produzir um café de melhor qualidade. Afirmou ainda que está bastante esperançoso de que a verba do BNDES para implementação do maquinário de rebeneficiamento num armazém em Varre-Sai deverá ser liberada em breve.

RC: O que o senhor achou desse encontro?
Eu achei de grande importância para a cafeicultura do estado do Rio de Janeiro. Porque o nosso foco, a essa altura dos acontecimentos, é a busca cada vez maior pela qualidade do café. Esse é o grande diferencial que pode nos remunerar sob todos os pontos de vista. Nesse encontro de hoje, nós fomos convocados pela Illycafé para recebê-los aqui. Nos pediram que reuníssemos os principais produtores do estado. Esse é o primeiro passo para o estreitamento desse contato. Gostei demais.

RC: Tem produtores que já vendem para a Illy?
Na realidade acho que só dois produtores aqui do estado vendem para a Illy, que somos nós e o Roberto. É uma região nova para a Illycafé, mas é a região que eles escolheram para estabelecer esse contato. A Illy compra 250 mil sacas de café por ano no Brasil. É um número formidável, e eles querem crescer. Eles selecionaram a região serrana para iniciar uma parceria, e precisam de mais fornecedores.

RC: O que você acha das políticas de compra da Illy?
A Illy tem uma posição muito interessante, e o próprio Andrea Illy, dono da empresa, declarou para cinco mil pessoas, num evento em São Paulo, ainda este ano: "nós somos contra a certificação do café para o produtor rural. A certificação tem que ser dada para a indústria, para a torrefação". Eu concordo com isso. Uma indústria certificada não pode comprar de qualquer um, tem que estabelecer parâmetros. O problema de uma certificação para o produtor rural é que custa cerca de 30 a 40 mil dólares! Ela embute mais esse custo enorme, que não é absorvido pelo negócio. Como a propriedade vai conseguir remuneração para esse investimento? Então, eles (Illycafé) fazem uma afirmação que, em princípio, pode chocar uns e outros, mas oferecem uma solução, que é estabelecer um relacionamento estreito com os produtores. Eles só vão comprar café de quem estiver resolvido ambientalmente, em boa situação com seus empregados, resolvidos em todos os aspectos sociais, técnicos. A solução deles é perfeita, que é trabalhar junto com o produtor para estabelecer parcerias de longo prazo. E aí os produtores terão vantagens reais, porque a Illycafé paga mais pelo café de melhor qualidade. Nós sabemos disso por experiência própria. Nossa busca de qualidade nesse momento é um trabalho de parceria com a Illycafé. Esse encontro, o primeiro no estado do Rio dessa natureza, pode render frutos interessantes.

RC: O senhor vê movimento de aumento de produção no estado do Rio?
Não vejo interesse de aumentar produção aqui no estado. Há sim interesse na renovação dos cafezais. Não vejo afluência de novos investidores querendo produzir café. Os pequenos ainda não tem capital para dar partida na produção de café. Tem um ou outro fazendo enormes sacrifícios para isso, mas são muito poucos. Em contrapartida, vejo disposição imensa, naqueles que já tem produção, em renovar seus cafezais. Veja o encontro de hoje. Estavam aqui os principais produtores do estado. Todos gostaram muito do evento. Foi uma confraternização.

RC: E sobre a ausência de um maquinário de rebeneficiamento para que os produtores possam padronizar o café no estado, sem precisar enviá-lo a cooperativas e armazéns do sul de Minas?
A Associação de Cafeicultores do Rio de Janeiro (ASCARJ) desenvolveu um projeto, que está inclusive agora em estágio avançado de obtenção de recursos, para ser implantado no Norte/Noroeste do estado, onde temos 70% da produção de café do Rio. Que são os municípios de Varre-Sai, Natividade, Bom Jesus de Itabopoana... A COOPERCANOL, que é uma cooperativa de cafeicultores, possui um armazém bastante grande, dentro do qual entram carretas, pé direito de 8 metros de altura. Uma infra-estrutura muito boa. Nós desenvolvemos um projeto com a Pinhalense, para instalação de um módulo lá de rebeneficiamento de café, completo. Esse projeto nesse instante está sendo estudado no BNDES, para quem estamos pleiteando os recursos para sua implantação. A verba ainda não foi concedida, mas estamos muito esperançosos. O maquinário terá capacidade para receber e rebeneficiar o café de todo o estado do Rio.


Entrevista: Miguel Herthal, produtor de café

Ele é um dos maiores produtores de café do estado do Rio. Nessa entrevista, Miguel Herthal, produtor em Bom Jardim, se mostrou pessimista em relação ao futuro da cafeicultura fluminense. Sua propriedade é a única no estado que possui uma máquina de rebeneficiamento, que permite padronizar o café para vender diretamente aos exportadores.

RC: Como está a situação do cafeicultor no Rio?
No momento está muito ruim. A solução é fazer bebida fina. Quem não fizer, está morto. Eu tenho feito também esqueletamento, para renovar a lavoura. Tiro três safras e esqueleto de novo. E tem que aumentar a produtividade e baratear o custo de apanha. Procurar colher cedo, pra colher bastante cereja. O café de bebida fina está mais de R$ 300,00 (a saca). O café normal, sem ser fino, está R$ 180,00.

RC: Esse valor não paga o custo de produção?
O custo está mais de R$ 230,00, R$ 240,00, variando de produtor para produtor. O nosso ficou em R$ 200,00 em 2009.

RC: O senhor estima sua produção este ano em quantas sacas?
Este ano vai ser mais fraco, umas 15 mil sacas. Ano passado foi 14 mil, foi fraco também. Mas em 2011, devemos chegar de 23 a 25 mil sacas. Vão entrar em produção lavouras renovadas, esqueletadas. Nossa média histórica é de 18 a 19 mil sacas. Mas com esse esqueletamento devemos aumentar isso.

RC: Quantas pessoas emprega na colheita?
Umas 200 pessoas. A gente paga por produtividade, por balaio de 60 litros. Varia muito de lavoura para lavoura. Se está carregada, paga 6 reais; se tá pouco carregada, paga 10 reais o balaio. 8 reais é a média.

RC: Tem outra atividade agrícola, além do café?
Não, só café. Temos também torrefação de café. Café Bom Jardinense. Uma média de 40% de nosso café vai para nossa torrefação, o resto é vendido para exportadores.

RC: Qual a variedade usada? Produtividade? Qual o principal custo?
O Catuaí. E atualmente estou plantando o Catucaí. A produtividade nossa está na faixa de 37 sacas por hectare. A mão de obra aqui consome 60% do custo. Está tudo subindo: fertilizante, salário, energia, imposto. O preço do café está na mesma há sete ou oito anos. No ano passado, o preço do fertilizante foi um horror: a saca de fertilizante chegou a R$ 100,00. Agora voltou pra R$ 50,00. Isso atrapalhou muito. O pessoal deixou de adubar o café, e isso vai limitar a produção esse ano por causa das lavouras mal adubadas. A nossa sorte é que compramos antecipado, a R$ 50,00 a saca, pouco antes do estouro da boiada.

RC: Usa financiamento?
Nós não temos usado financiamento do Banco do Brasil. Somente recursos próprios.

RC: Acredita em potencial de aumento da produção no estado do Rio?
Não acredito, por causa da topografia. As terras são muito boas, o clima é nota dez. O problema é que na nossa região não dá para mecanizar nada para baixar custos. Aí não tem como competir. O pessoal do sul de Minas mecaniza, no cerrado, na Bahia. Na zona da mata, eles têm muita dificuldade lá também. O que tem ajudado muito são essas mãozinhas mecânicas pra colher café, que têm funcionado bem. Permite uma semi-mecanização e barateia o custo.

RC: Que alternativas agrícolas ou pecuárias existem para o estado?
Pecuária é pior ainda. Acredito que a vocação do Rio é o turismo. Outra coisa que tem dado certo por aqui é confecção. Tem gente ganhando dinheiro com isso.

RC: Pensa em aumentar a área plantada?
Não, nosso objetivo é apenas melhorar a produtividade e a qualidade. A área deve continuar a mesma, 560 hectares plantados. Atualmente nós descascamos cerca de 30 a 35% de nossa produção, mas queremos chegar a 50%.


Entrevista: José Eugênio Erthal, produtor de café

Eugênio, também cafeicultor em Bom Jardim, é mais otimista. Tem observado pequenos proprietários da região serrana investirem em lavouras de café e preocupando-se bastante com a qualidade e o meio ambiente.

RC: O senhor tem quantos hectares de café?
Eu tenho 38 hectares de café plantados, com 260 mil pés, sendo que 80 mil ainda vou plantar.

RC: Tem outras atividades?
Tiro um pouco de leite. E tenho uma confecção há 26 anos. Na verdade, minha principal fonte de renda hoje é a confecção, mas o café ajuda.

RC: Custo de produção?
A gente calcula por hectare. O custo nosso ficou 7 mil reais por hectare em 2009. Neste ano, o custo do fertilizante caiu, mas como o preço da mão-de-obra subiu, deve ficar na mesma faixa.

Guilherme Braga Neto, Miguel Erthal e Efigênio Salles

RC: Usa financiamento do BB?
Há uns dois anos que não uso. Mas já usei muito.

RC: O senhor tem observado aumento do interesse pelo café na região?
O pessoal tem se interessado. Em 2008 participei de um concurso de café em Duas Barras, onde ganhei o primeiro lugar. Aumentou muito o interesse na região. Aqui tem muito pequeno, eles mesmo que cuidam. Estão fazendo um café bom, preocupam-se muito com qualidade e também com o meio ambiente.

RC: Qual as perspectivas para o café da região serrana do Rio?
O problema aqui é a topografia, muito acidentada. A gente que é pequeno tem que partir para o especial. Há dois anos que venho conseguindo produzir café despolpado, que vendi tudo para exportação, no Rio. Elogiaram muito a qualidade do meu café, mas tem muito segredinho. Tomar cuidado pra não fermentar, não pode deixar nada pro dia seguinte. O meu café é colhido e lavado no mesmo dia. Eu lavo 10% da minha produção.

RC: Quais suas preocupações com o futuro do mercado de café?
Tenho ouvido falar que está entrando muita gente grande na cafeicultura. Mas é aquele negócio, eles costumam ganhar muito dinheiro. Mas no primeiro problema eles abandonam. Sei lá! Semana passada recebi um email de um corretor pedindo para a gente caprichar cada vez mais na qualidade porque o comprador da Colômbia estava vindo adquirir café aqui, porque está faltando lá. Café despolpado, fino.


Entrevista: Aldir Teixeira, pesquisador e agrônomo da Illycafé

O agrônomo e classificador da Illycafé alertou para o risco de cafeicultores fluminenses, mesmo os que produzem café de qualidade, sofrerem discriminação por causa da origem, mas explicou que a sua empresa conseguiu afastar esse tipo de parcialidade ocultando dos provadores a origem do grão. Teixeira afirmou ainda que o descascamento do café é condição sine qua non para o cafeicultor fluminense conseguir bebida fina.

RC: Qual sua opinião sobre a cafeicultura do Rio?
Eu acho que o café arábica é uma espécie que tem condições de atingir excelente qualidade em qualquer região. Eu sempre falo isso e já falava há muito tempo, quando visitava Caratinga, que o café cereja na árvore é sempre de qualidade, seja onde for. O Rio de Janeiro também está incluído nessa afirmativa. O que precisa é preservar essa qualidade. Como fazer isso? No Rio, infelizmente, se for fazer café natural, terá sua qualidade prejudicada por causa das condições climáticas. Mas se fizer um cereja descascado ou despolpado, ele tranquilamente pode fazer um café fino. Nós temos exemplos de vários cafés produtores do Rio de Janeiro que não só vendem para a Illy, como participaram do Prêmio de Qualidade Ernesto Illy, e ficaram entre os 50 finalistas no país. O Prêmio é um padrão de referência de qualidade mundial, não há coisa melhor.

RC: O senhor disse que a avaliação da qualidade tem um fator subjetivo. Isso prejudica o Rio?
Quando selecionamos os cafés recebidos para o nosso Prêmio, nós o fazemos através de códigos, de números, então eu não sei nem de onde é, nem quem é o produtor. Por isso o Rio de Janeiro foi classificado. Porque eu não tô sabendo de onde é. Na época em que eu trabalhei no IBC, eu sabia que se alguém falasse: "ah, aquele café é do Rio de Janeiro; é da zona da mata de Minas", o classificador já dava bebida riado. Sem beber. Eu sempre fiz o contrário. Quando você informa ao classificador a origem do café, ele tem uma tendência a classificar pela origem da região. Por isso eu fiz questão, quando propus o Prêmio ao Dr.Illy, que não se soubesse a região ou o proprietário. E não uso um só provador, mas uma equipe. E trabalho com repetição. Você sabe que analisamos o café de duas maneiras: a parte física, quando você analisa os defeitos, os aspectos, o teor de umidade e a cor; e tem a parte de degustação, onde usamos os sentidos, principalmente o gosto, o tato e o aroma. Se não estivermos com esses sentidos bem desenvolvidos, podemos prejudicar a análise do café. Por exemplo, se eu estiver com uma inflação na garganta, não perceberei o gosto; se estiver com o nariz entupido, não perceberei o aroma. Se eu estiver um problema psicológico, isso afetará o resultado. Por isso uso uma equipe. Se um não estiver bom, os outros estão. E faço repetição da mostra, porque às vezes ela foi torrada demais na primeira vez, ou de menos. Tenho que tirar, portanto, todos os interferentes possíveis.

RC: Então você vê esse risco de produtores do Rio sofrerem preconceito, por conta de uma parcialidade...
Exatamente, os classificadores já têm uma antevisão de que esse café pode ser ruim. Mas nós da Illycafé não. A gente analisa o café, não a região. Não o produtor. Por que estamos aqui no Rio de Janeiro, sendo a Illycafé uma empresa de ponta em qualidade? Porque eu sei que existe qualidade aqui.

RC: Quais as características do café brasileiro que atraem tanto a Illy?
O café brasileiro de qualidade tem bom aroma, bom corpo, em geral é achocolatado, que são características positivas.

RC: Para o Rio, é importante descascar o café?
Para o Rio, é fundamental. Condição sine qua non. E uma série de outros procedimentos. Porque não adianta descascar e não tomar cuidado com outras coisas. O café não pode ficar amontoado. Se colheu o café, tem que preparar no mesmo dia. Quando colocar no terreiro, tem que espalhar e mexer constantemente. E depois que enxugar o café, deixar descansar por um período. Enfim, há uma série de detalhes fundamentais. Tem a matéria-prima ideal, mas pode estragar. O ponto crítico, de fato, é o pós-colheita.

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