Os
principais produtores de café da região
serrana fluminense reuniram-se, no dia 11 de março
deste ano, na Fazenda do Cedro, em Bom Jardim, recepcionando
para um almoço com dois representantes da Illycafé.
A Revista do Café participou do encontro, onde
ouviu as propostas discutidas e entrevistou as pessoas.
A torrefadora italiana mostrou-se disposta a estreitar
laços com os cafeicultores fluminenses porque
tem em vista a possibilidade de aumentar as compras
de café da região. A perspectiva de
vender maiores volumes para uma torrefadora tão
rigorosa em termos de qualidade entusiasma os produtores
do Rio. Efigênio Salles, presidente da Associação
de Cafeicultores do Estado do Rio de Janeiro (ASCARJ),
considerou o encontro com os representantes da Illy
de grande importância para a cafeicultura do
estado, pois selou o início do que ele espera
ser uma duradoura parceria da torrefadora com os produtores
fluminenses.
Os produtores de café do estado ainda sofrem
com a falta de equipamentos de preparação
e seleção qualitativa, que os obriga
a mandar o café para o sul de Minas, para que
seja padronizado antes de vendê-lo para os exportadores.
Salles assegurou, porém, que o projeto de implantação
de maquinário de rebeneficiamento no estado
está em vias de acontecer. Será instalada
em Varre-Sai, norte do estado, onde se concentra a
maior parte da produção fluminense,
e terá a capacidade de processar todo volume
produzido no estado.
Os representantes da Illycafé eram o italiano
Alessandro Bucci, responsável pela compra de
café brasileiro em Trieste, sede da empresa,
e Aldir Teixeira, especialista em qualidade, que hoje
dirige a Universidade Illy do Café, coordena
o Prêmio de Qualidade promovido pela empresa
e é avalista dos cafés que a empresa
recebe. E também o consultor Sérgio
C. D’Alessandro.
A Fazenda do Cedro, gerida pelos irmãos Salles,
Efigênio e Francisco, é uma belíssima
propriedade situada num vale montanhoso a 800 metros
de altitude, inteiramente ocupada com 250 mil pés
de café. Comprada em 1979, sua produção
cafeeira data de 1982. A área faz parte do
que outrora foi uma imensa e tradicional fazenda de
café, a Ipiranga.
Entrevista:
Efigênio Salles, cafeicultor e presidente
da ASCARJ |
O
presidente da ASCARJ festejou muito o encontro
dos cafeicultores do Rio com representantes da
Illycafé. Segundo ele, o evento, que reuniu
os principais produtores da região serrana,
os estimulará a buscar produzir um café
de melhor qualidade. Afirmou ainda que está
bastante esperançoso de que a verba do
BNDES para implementação do maquinário
de rebeneficiamento num armazém em Varre-Sai
deverá ser liberada em breve.
RC:
O que o senhor achou desse encontro?
Eu achei de grande importância para a
cafeicultura do estado do Rio de Janeiro. Porque
o nosso foco, a essa altura dos acontecimentos,
é a busca cada vez maior pela qualidade
do café. Esse é o grande diferencial
que pode nos remunerar sob todos os pontos de
vista. Nesse encontro de hoje, nós fomos
convocados pela Illycafé para recebê-los
aqui. Nos pediram que reuníssemos os
principais produtores do estado. Esse é
o primeiro passo para o estreitamento desse
contato. Gostei demais.
RC:
Tem produtores que já vendem para a Illy?
Na realidade acho que só dois produtores
aqui do estado vendem para a Illy, que somos
nós e o Roberto. É uma região
nova para a Illycafé, mas é a
região que eles escolheram para estabelecer
esse contato. A Illy compra 250 mil sacas de
café por ano no Brasil. É um número
formidável, e eles querem crescer. Eles
selecionaram a região serrana para iniciar
uma parceria, e precisam de mais fornecedores.
RC:
O que você acha das políticas de
compra da Illy?
A Illy tem uma posição muito interessante,
e o próprio Andrea Illy, dono da empresa,
declarou para cinco mil pessoas, num evento
em São Paulo, ainda este ano: "nós
somos contra a certificação do
café para o produtor rural. A certificação
tem que ser dada para a indústria, para
a torrefação". Eu concordo
com isso. Uma indústria certificada não
pode comprar de qualquer um, tem que estabelecer
parâmetros. O problema de uma certificação
para o produtor rural é que custa cerca
de 30 a 40 mil dólares! Ela embute mais
esse custo enorme, que não é absorvido
pelo negócio. Como a propriedade vai
conseguir remuneração para esse
investimento? Então, eles (Illycafé)
fazem uma afirmação que, em princípio,
pode chocar uns e outros, mas oferecem uma solução,
que é estabelecer um relacionamento estreito
com os produtores. Eles só vão
comprar café de quem estiver resolvido
ambientalmente, em boa situação
com seus empregados, resolvidos em todos os
aspectos sociais, técnicos. A solução
deles é perfeita, que é trabalhar
junto com o produtor para estabelecer parcerias
de longo prazo. E aí os produtores terão
vantagens reais, porque a Illycafé paga
mais pelo café de melhor qualidade. Nós
sabemos disso por experiência própria.
Nossa busca de qualidade nesse momento é
um trabalho de parceria com a Illycafé.
Esse encontro, o primeiro no estado do Rio dessa
natureza, pode render frutos interessantes.
RC:
O senhor vê movimento de aumento de produção
no estado do Rio?
Não vejo interesse de aumentar produção
aqui no estado. Há sim interesse na renovação
dos cafezais. Não vejo afluência
de novos investidores querendo produzir café.
Os pequenos ainda não tem capital para
dar partida na produção de café.
Tem um ou outro fazendo enormes sacrifícios
para isso, mas são muito poucos. Em contrapartida,
vejo disposição imensa, naqueles
que já tem produção, em
renovar seus cafezais. Veja o encontro de hoje.
Estavam aqui os principais produtores do estado.
Todos gostaram muito do evento. Foi uma confraternização.
RC:
E sobre a ausência de um maquinário
de rebeneficiamento para que os produtores possam
padronizar o café no estado, sem precisar
enviá-lo a cooperativas e armazéns
do sul de Minas?
A Associação de Cafeicultores
do Rio de Janeiro (ASCARJ) desenvolveu um projeto,
que está inclusive agora em estágio
avançado de obtenção de
recursos, para ser implantado no Norte/Noroeste
do estado, onde temos 70% da produção
de café do Rio. Que são os municípios
de Varre-Sai, Natividade, Bom Jesus de Itabopoana...
A COOPERCANOL, que é uma cooperativa
de cafeicultores, possui um armazém bastante
grande, dentro do qual entram carretas, pé
direito de 8 metros de altura. Uma infra-estrutura
muito boa. Nós desenvolvemos um projeto
com a Pinhalense, para instalação
de um módulo lá de rebeneficiamento
de café, completo. Esse projeto nesse
instante está sendo estudado no BNDES,
para quem estamos pleiteando os recursos para
sua implantação. A verba ainda
não foi concedida, mas estamos muito
esperançosos. O maquinário terá
capacidade para receber e rebeneficiar o café
de todo o estado do Rio. |
Entrevista:
Miguel Herthal, produtor de café |
Ele
é um dos maiores produtores de café
do estado do Rio. Nessa entrevista, Miguel Herthal,
produtor em Bom Jardim, se mostrou pessimista
em relação ao futuro da cafeicultura
fluminense. Sua propriedade é a única
no estado que possui uma máquina de rebeneficiamento,
que permite padronizar o café para vender
diretamente aos exportadores.
RC:
Como está a situação do
cafeicultor no Rio?
No momento está muito ruim. A solução
é fazer bebida fina. Quem não
fizer, está morto. Eu tenho feito também
esqueletamento, para renovar a lavoura. Tiro
três safras e esqueleto de novo. E tem
que aumentar a produtividade e baratear o custo
de apanha. Procurar colher cedo, pra colher
bastante cereja. O café de bebida fina
está mais de R$ 300,00 (a saca). O café
normal, sem ser fino, está R$ 180,00.
RC: Esse valor não paga o custo
de produção?
O custo está mais de R$ 230,00, R$ 240,00,
variando de produtor para produtor. O nosso
ficou em R$ 200,00 em 2009.
RC: O senhor estima sua produção
este ano em quantas sacas?
Este ano vai ser mais fraco, umas 15 mil sacas.
Ano passado foi 14 mil, foi fraco também.
Mas em 2011, devemos chegar de 23 a 25 mil sacas.
Vão entrar em produção
lavouras renovadas, esqueletadas. Nossa média
histórica é de 18 a 19 mil sacas.
Mas com esse esqueletamento devemos aumentar
isso.
RC: Quantas pessoas emprega na colheita?
Umas 200 pessoas. A gente paga por produtividade,
por balaio de 60 litros. Varia muito de lavoura
para lavoura. Se está carregada, paga
6 reais; se tá pouco carregada, paga
10 reais o balaio. 8 reais é a média.
RC: Tem outra atividade agrícola,
além do café?
Não, só café. Temos também
torrefação de café. Café
Bom Jardinense. Uma média de 40% de nosso
café vai para nossa torrefação,
o resto é vendido para exportadores.
RC: Qual a variedade usada? Produtividade?
Qual o principal custo?
O Catuaí. E atualmente estou plantando
o Catucaí. A produtividade nossa está
na faixa de 37 sacas por hectare. A mão
de obra aqui consome 60% do custo. Está
tudo subindo: fertilizante, salário,
energia, imposto. O preço do café
está na mesma há sete ou oito
anos. No ano passado, o preço do fertilizante
foi um horror: a saca de fertilizante chegou
a R$ 100,00. Agora voltou pra R$ 50,00. Isso
atrapalhou muito. O pessoal deixou de adubar
o café, e isso vai limitar a produção
esse ano por causa das lavouras mal adubadas.
A nossa sorte é que compramos antecipado,
a R$ 50,00 a saca, pouco antes do estouro da
boiada.
RC: Usa financiamento?
Nós não temos usado financiamento
do Banco do Brasil. Somente recursos próprios.
RC: Acredita em potencial de aumento
da produção no estado do Rio?
Não acredito, por causa da topografia.
As terras são muito boas, o clima é
nota dez. O problema é que na nossa região
não dá para mecanizar nada para
baixar custos. Aí não tem como
competir. O pessoal do sul de Minas mecaniza,
no cerrado, na Bahia. Na zona da mata, eles
têm muita dificuldade lá também.
O que tem ajudado muito são essas mãozinhas
mecânicas pra colher café, que
têm funcionado bem. Permite uma semi-mecanização
e barateia o custo.
RC: Que alternativas agrícolas
ou pecuárias existem para o estado?
Pecuária é pior ainda. Acredito
que a vocação do Rio é
o turismo. Outra coisa que tem dado certo por
aqui é confecção. Tem gente
ganhando dinheiro com isso.
RC:
Pensa em aumentar a área plantada?
Não, nosso objetivo é apenas melhorar
a produtividade e a qualidade. A área
deve continuar a mesma, 560 hectares plantados.
Atualmente nós descascamos cerca de 30
a 35% de nossa produção, mas queremos
chegar a 50%. |
Entrevista:
José Eugênio Erthal, produtor de
café |
Eugênio,
também cafeicultor em Bom Jardim, é
mais otimista. Tem observado pequenos proprietários
da região serrana investirem em lavouras
de café e preocupando-se bastante com
a qualidade e o meio ambiente.
RC:
O senhor tem quantos hectares de café?
Eu tenho 38 hectares de café plantados,
com 260 mil pés, sendo que 80 mil
ainda vou plantar.
RC: Tem outras atividades?
Tiro um pouco de leite. E tenho uma confecção
há 26 anos. Na verdade, minha principal
fonte de renda hoje é a confecção,
mas o café ajuda.
RC: Custo de produção?
A gente calcula por hectare. O custo nosso
ficou 7 mil reais por hectare em 2009. Neste
ano, o custo do fertilizante caiu, mas como
o preço da mão-de-obra subiu,
deve ficar na mesma faixa. |
Guilherme
Braga Neto, Miguel Erthal e Efigênio
Salles |
RC:
Usa financiamento do BB?
Há uns dois anos que não uso.
Mas já usei muito.
RC: O senhor tem observado aumento do
interesse pelo café na região?
O pessoal tem se interessado. Em 2008 participei
de um concurso de café em Duas Barras,
onde ganhei o primeiro lugar. Aumentou muito
o interesse na região. Aqui tem muito
pequeno, eles mesmo que cuidam. Estão
fazendo um café bom, preocupam-se muito
com qualidade e também com o meio ambiente.
RC: Qual as perspectivas para o café
da região serrana do Rio?
O problema aqui é a topografia, muito
acidentada. A gente que é pequeno tem
que partir para o especial. Há dois anos
que venho conseguindo produzir café despolpado,
que vendi tudo para exportação,
no Rio. Elogiaram muito a qualidade do meu café,
mas tem muito segredinho. Tomar cuidado pra
não fermentar, não pode deixar
nada pro dia seguinte. O meu café é
colhido e lavado no mesmo dia. Eu lavo 10% da
minha produção.
RC:
Quais suas preocupações com o
futuro do mercado de café?
Tenho ouvido falar que está entrando
muita gente grande na cafeicultura. Mas é
aquele negócio, eles costumam ganhar
muito dinheiro. Mas no primeiro problema eles
abandonam. Sei lá! Semana passada recebi
um email de um corretor pedindo para a gente
caprichar cada vez mais na qualidade porque
o comprador da Colômbia estava vindo adquirir
café aqui, porque está faltando
lá. Café despolpado, fino. |
Entrevista:
Aldir Teixeira, pesquisador e agrônomo da
Illycafé |
O
agrônomo e classificador da Illycafé
alertou para o risco de cafeicultores fluminenses,
mesmo os que produzem café de qualidade,
sofrerem discriminação por causa
da origem, mas explicou que a sua empresa conseguiu
afastar esse tipo de parcialidade ocultando
dos provadores a origem do grão. Teixeira
afirmou ainda que o descascamento do café
é condição sine qua non
para o cafeicultor fluminense conseguir bebida
fina.
RC:
Qual sua opinião sobre a cafeicultura
do Rio?
Eu acho que o café arábica
é uma espécie que tem condições
de atingir excelente qualidade em qualquer
região. Eu sempre falo isso e já
falava há muito tempo, quando visitava
Caratinga, que o café cereja na árvore
é sempre de qualidade, seja onde
for. O Rio de Janeiro também está
incluído nessa afirmativa. O que
precisa é preservar essa qualidade.
Como fazer isso? No Rio, infelizmente, se
for fazer café natural, terá
sua qualidade prejudicada por causa das
condições climáticas.
Mas se fizer um cereja descascado ou despolpado,
ele tranquilamente pode fazer um café
fino. Nós temos exemplos de vários
cafés produtores do Rio de Janeiro
que não só vendem para a Illy,
como participaram do Prêmio de Qualidade
Ernesto Illy, e ficaram entre os 50 finalistas
no país. O Prêmio é
um padrão de referência de
qualidade mundial, não há
coisa melhor. |
|
RC:
O senhor disse que a avaliação
da qualidade tem um fator subjetivo. Isso prejudica
o Rio?
Quando selecionamos os cafés recebidos
para o nosso Prêmio, nós o fazemos
através de códigos, de números,
então eu não sei nem de onde é,
nem quem é o produtor. Por isso o Rio
de Janeiro foi classificado. Porque eu não
tô sabendo de onde é. Na época
em que eu trabalhei no IBC, eu sabia que se
alguém falasse: "ah, aquele café
é do Rio de Janeiro; é da zona
da mata de Minas", o classificador já
dava bebida riado. Sem beber. Eu sempre fiz
o contrário. Quando você informa
ao classificador a origem do café, ele
tem uma tendência a classificar pela origem
da região. Por isso eu fiz questão,
quando propus o Prêmio ao Dr.Illy, que
não se soubesse a região ou o
proprietário. E não uso um só
provador, mas uma equipe. E trabalho com repetição.
Você sabe que analisamos o café
de duas maneiras: a parte física, quando
você analisa os defeitos, os aspectos,
o teor de umidade e a cor; e tem a parte de
degustação, onde usamos os sentidos,
principalmente o gosto, o tato e o aroma. Se
não estivermos com esses sentidos bem
desenvolvidos, podemos prejudicar a análise
do café. Por exemplo, se eu estiver com
uma inflação na garganta, não
perceberei o gosto; se estiver com o nariz entupido,
não perceberei o aroma. Se eu estiver
um problema psicológico, isso afetará
o resultado. Por isso uso uma equipe. Se um
não estiver bom, os outros estão.
E faço repetição da mostra,
porque às vezes ela foi torrada demais
na primeira vez, ou de menos. Tenho que tirar,
portanto, todos os interferentes possíveis.
RC:
Então você vê esse risco
de produtores do Rio sofrerem preconceito, por
conta de uma parcialidade...
Exatamente, os classificadores já têm
uma antevisão de que esse café
pode ser ruim. Mas nós da Illycafé
não. A gente analisa o café, não
a região. Não o produtor. Por
que estamos aqui no Rio de Janeiro, sendo a
Illycafé uma empresa de ponta em qualidade?
Porque eu sei que existe qualidade aqui.
RC:
Quais as características do café
brasileiro que atraem tanto a Illy?
O café brasileiro de qualidade tem bom
aroma, bom corpo, em geral é achocolatado,
que são características positivas.
RC:
Para o Rio, é importante descascar o
café?
Para o Rio, é fundamental. Condição
sine qua non. E uma série de outros procedimentos.
Porque não adianta descascar e não
tomar cuidado com outras coisas. O café
não pode ficar amontoado. Se colheu o
café, tem que preparar no mesmo dia.
Quando colocar no terreiro, tem que espalhar
e mexer constantemente. E depois que enxugar
o café, deixar descansar por um período.
Enfim, há uma série de detalhes
fundamentais. Tem a matéria-prima ideal,
mas pode estragar. O ponto crítico, de
fato, é o pós-colheita. |
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