O
governo federal andou insistindo na ideia de criação
de uma empresa estatal de produção e
comercialização de fertilizantes no
Brasil. Os dois argumentos centrais em defesa dessa
empresa estatal seriam a necessidade de reduzir a
dependência brasileira do mercado internacional,
uma vez que 74%, 49% e 92% do nitrogênio, do
fósforo e do potássio, respectivamente,
utilizados no Brasil na produção de
fertilizantes são importados; e a necessidade
de promover maior concorrência no mercado, tendo
em vista que a produção de fertilizantes
é um oligopólio no Brasil e no mundo.
Os dois argumentos mostram que o tema é sensível.
Os produtores rurais, como esperado, estão
preocupados com o assunto porque são eles que
pagam a conta de fertilizantes mais caros. Viabilizar
o aumento da produção brasileira e promover
maior concorrência na produção
fazem parte de um diagnóstico correto. Já
o remédio, a estatal dos fertilizantes, está
mais para adoecer o paciente do que para curá-lo.
O fundamental nesse debate é entender que o
bom objetivo de estimular concorrência no fornecimento
de nutrientes básicos à produção
de fertilizantes não será resolvido
com a criação de uma estatal. O buraco,
na realidade, é mais embaixo.
A constatação de que a produção
das matérias-primas básicas dos fertilizantes
(nitrogênio, fósforo e potássio)
no Brasil não tem acompanhado a crescente demanda
é um tema superado. A relação
entre a produção nacional e a importação
de fertilizantes intermediários se movimenta
em favor das importações, que vêm
ganhando fatia de mercado no decorrer do tempo. Os
dados da evolução por nutriente mostram
a mesma tendência. No caso do nitrogênio,
a produção doméstica representava,
em 2002, 47% do mercado e em 2008 representou 26%.
No caso do fósforo, esse movimento foi de 57%
para 51% e, no caso do potássio, de 12% para
8%.
Não somente a produção nacional
tem menor participação na oferta total,
com exceção do fósforo, como
também não tem conseguido acompanhar
a demanda. Além disso, comparando o Brasil
com o resto do mundo, os números também
chamam a atenção. O Brasil é
o terceiro maior importador mundial de nitrogênio,
atrás apenas dos EUA e da Índia, é
o maior importador de fósforo e o segundo maior
importador de potássio, também atrás
dos EUA.
A dependência de importações,
no entanto, é uma questão capenga quando
não analisada em conjunto com a estrutura de
formação de preços dos fertilizantes
no Brasil. A questão-chave a ser respondida
aqui é a seguinte: os preços domésticos
de fertilizantes pagos pelos produtores no Brasil
seguem os preços mundiais? Se seguem, o problema
dos elevados preços está no mercado
mundial. Se não seguem, há razões
para se pensar em políticas de estímulo
à maior concorrência. Para responder
a essa pergunta desenvolvemos um estudo analisando
os preços internacionais e os preços
pagos pelos produtores.
Nossa conclusão foi a seguinte: os preços
domésticos são determinados pelos preços
mundiais, mas, com exceção da ureia,
fertilizante à base de nitrogênio, as
variações nos preços ao produtor
do superfosfato simples e do cloreto de potássio
são explicadas apenas em parte pelas oscilações
dos preços internacionais, sugerindo que maior
concorrência seria salutar para o produtor rural.
Vamos entender o que essa conclusão quer dizer.
Quando são analisados os preços internacionais
da ureia, da rocha fosfática e do cloreto de
potássio e são comparados aos preços
de importação do Brasil e aos preços
dos produtos equivalentes praticados no mercado doméstico
(aqui utilizamos os preços em dólar
para eliminar oscilações cambiais),
observamos que, para cada linha de produto –
nitrogênio, fósforo e potássio
–, os preços andam absolutamente juntos.
Como grande parte da oferta brasileira é feita
a partir de matéria-prima importada (74%, 49%
e 92%, respectivamente), a conclusão de que
os preços internacionais determinam os preços
domésticos era esperada. Aliás, essa
constatação demonstra que a concentração
na produção doméstica não
é forte o suficiente para impedir o mercado
de funcionar. Ao contrário: na formação
dos preços, o mercado está funcionando
bem.
Essa conclusão tem uma implicação:
como os preços internacionais são determinantes
dos preços domésticos, o produtor brasileiro
estará sempre sujeito aos movimentos de mercado
na Rússia (nos três produtos), na China,
no Canadá, na Alemanha, no Marrocos, na Tunísia,
na Ucrânia e nos EUA (em pelo menos um produto),
a menos que o Brasil reduza sua dependência
de importações. A oferta, como se vê,
é concentrada. Aliás, não poderia
ser diferente, porque sendo um setor muito intensivo
em capital, demandante de elevados investimentos e
com ganho de escala, a produção de nutrientes,
em qualquer lugar do mundo, será sempre concentrada.
Superado o problema da formação dos
preços, fizemos a análise da influência
dos preços internacionais nas oscilações
dos preços domésticos. A pergunta aqui
é a seguinte: quando os preços domésticos
oscilam – aliás, eles fazem isso o tempo
todo –, quanto dessas variações
pode ser explicado por oscilações nos
preços internacionais e/ou por variáveis
associadas ao mercado doméstico, tais como
demanda e, por que não, concentração
da produção? Quando esse valor é
muito elevado, como no caso da ureia, é sinal
de que os movimentos no mercado doméstico refletem
integralmente os do internacional.
Já no caso do superfostato simples e do cloreto
de potássio, cujos valores encontrados foram
menores, fatores associados à estrutura da
indústria têm peso elevado nos movimentos
de mercado doméstico. Neste caso, estimular
competição na indústria será
benéfico para os produtores rurais e é
isso que o governo deveria estar perseguindo, em vez
de advogar a volta do capital estatal ao setor.
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