Apagão
logístico, colapso logístico e calamidade
logística. É só passar os olhos
pelos cadernos de negócios portuários
dos grandes jornais para se deparar inúmeras
vezes com esses termos. As análises e explicações
para o problema formam um mar de divergências,
mas a verdade é uma só: com a globalização,
o comércio exterior aumentou exponencialmente
nos últimos anos e a infra-estrutura dos portos
brasileiros não.
As quebras consecutivas dos recordes na exportação
de soja, açúcar, café e outras
commodities, que deveriam ser boas notícias,
passaram a presságio de problemas futuros,
principalmente no porto de Santos, espremido entre
a cidade e a Serra do Mar.
Os infortúnios são muitos. Baixo calado
para navegação, o que limita o tamanho
dos navios; filas de caminhões carregados ao
longo da Avenida Portuária; falta de contêineres;
esgotamento dos espaços nos terminais e até
o overbook praticado pelos armadores. Nessa engrenagem,
uma coisa puxa a outra. Enquanto alguns navios atrasam
para chegar por uma série de fatores, outros
simplesmente estão omitindo o porto de Santos
por causa do congestionamento. A conseqüência
é que as embarcações que vêm
atrás, atendendo à mesma rota, são
obrigadas a praticar o overbook, causando inúmeros
prejuízos financeiros ao exportador, que acaba
não cumprindo o embarque que negociou.
Além
de não receber do comprador e ter sua credibilidade
afetada, o exportador fica sujeito a pesadas taxas
de armazenagem cobradas por terminais e transportadoras.
“Devido ao acúmulo de cargas, o sistema
viário ao redor dos terminais está
sobrecarregado, acarretando em grandes congestionamentos.
Em alguns casos, as transportadoras estão
cobrando sobretaxas por seus caminhões
ficarem parados por períodos extras”,
explica Michael Timm, Diretor Geral da Stockler
Comercial e Exportadora e presidente da Associação
Comercial de Santos. Há casos extremos
de o caminhão ficar retido 36 horas esperando
para ser descarregado, quando o tempo normal seria
de apenas três horas. |
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Para
Ronald Moraes, coordenador administrativo da
Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé
LTDA (COOXUPÉ), a maior do planeta em
seu segmento, a situação chegou
ao ponto de os exportadores de café passarem
a buscar outros portos para o escoamento de
seus produtos. Segundo ele, os problemas de
logística terrestre em Santos vêm
prejudicando muito a exportação.
“Mesmo o porto de Santos sendo o maior
do país e com maior freqüência
de navios, a COOXUPÉ está pesquisando
alternativas nos portos de Vitória e
Rio de Janeiro. Sabemos que eles não
têm a mesma estrutura de Santos, mas os
custos são bem menores”, pondera
Moraes. |
A
visão dos terminais
Roberto Lopes, diretor da Libra Terminais, uma das
maiores empresas do porto de Santos, reconhece que
o terminal está trabalhando com sua ocupação
acima do considerado ideal do ponto de vista operacional.
O principal motivo, segundo ele, é o aumento
da importação nos últimos anos,
causando uma inversão no fluxo de cargas. Antes,
descarregava-se pouco e exportava-se muito, mas atualmente
a balança está equilibrada. Há
mais contêineres chegando e saindo, mas os terminais
não aumentaram de tamanho.

Lopes ainda afirma que a situação pode
se agravar, mas que a Libra já está
buscando soluções imediatas. Segundo
ele, a empresa está desenvolvendo parcerias
operacionais com os Redex (Recinto Especial para Despacho
Aduaneiro de Exportação), da Receita
Federal, relativas à liberação
das cargas. “Temos prevista a expansão
do Terminal 33, adquirido em 2009, para operação
de carga geral até o segundo semestre de 2011,
e a aquisição de novos equipamentos,
previstos para chegarem em 2011”, afirma.
A
corrida é contra o tempo. Estimativas otimistas
mostram que o porto de Santos pode triplicar sua
movimentação em 2025. Mas para isso
deverá contar com o término da construção
de três mega terminais: Brasil Terminais
Portuários (BTP), Embraport e Barnabé
Bagres. Em 2009, o porto movimentou 83,1 milhões
de toneladas, superando em 2,6% o volume do exercício
anterior. |
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Washington Flores, diretor do Tecon da Santos Brasil,
não reconhece o gargalo. Ele diz que a empresa
está preparada não só para atender,
mas para ser indutora do crescimento do comércio
exterior brasileiro. Segundo Flores, a Santos Brasil
encerrou no dia 10 de setembro as obras de dragagem
de aprofundamento do Terminal 4 (T4), que é
a extensão do Tecon Santos. “O Tecon
está com seus quatro berços liberados
para atracação dos maiores navios que
escalam no porto de Santos. O T4 amplia em cerca de
20% a estrutura do Tecon Santos e aumenta em 500 mil
TEUs (unidade de medida equivalente a um contêiner
de 20 pés) a capacidade de movimentação
do local, chegando a 2 milhões de TEUs. Esse
aumento de capacidade deve-se também a novos
guindastes do tipo portêineres, adquiridos em
2009. A Companhia investiu cerca de R$ 285 milhões
nas obras de ampliação e nos novos equipamentos”,
ressalta Flores.
Diálogo
e normatização
Para o presidente da Associação Brasileira
dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli,
a solução para os problemas dos portos
do Brasil está na racionalização
da programação, no diálogo entre
as partes e na normatização. Ele reconhece
que às vezes os exportadores são prejudicados
pelos problemas logísticos, mas defende a maior
comunicação entre o produtor, o terminal
e o armador. Na opinião de Manteli, o caminhão
só deve vir ao porto de Santos se estiver agendado.
“O que qualifica um porto é a sua velocidade
na operação. O Ministério da
Agricultura no Brasil tem um pouco de culpa. Ele manda
abrir 50% dos contêineres e dizem que a inspeção
é feita por amostragem. Isso atrasa muito as
operações. Que amostragem é essa?”,
questiona.
De acordo com Roberto Lopes, um novo sistema de agendamento
está por vir, ainda em 2010. “O grande
avanço se dará pela decisão que
tomamos de ouvir os usuários e clientes do
sistema. Será ‘taylor made’ (customizado)
para a comunidade de comércio exterior de Santos.
Estimamos entrar com novo sistema ainda em 2010”,
destaca o diretor da Libra Terminais.
Lopes ainda chama a atenção para um
fato relevante: a não utilização
das 24 horas de funcionamento dos terminais. “Há
cerca de dez anos, atendendo a uma forte demanda do
setor, os terminais de Santos passaram a funcionar
com seus “gates” abertos 24x7. Infelizmente,
a utilização não correspondeu
à expectativa, não foi usufruída
de forma consistente essa importante flexibilidade.
Nós trabalhamos 24 horas por dia, sete dias
por semana, mas ainda há preferência
para entrega de contêineres nos dias de semana
e no período diurno. Existe grande ociosidade
na madrugada”, afirma.

Os exportadores por sua vez lamentam que, até
agora, somente a Libra Terminais abriu suas portas
ao diálogo, em reunião realizada no
dia 9 de setembro, enquanto a Santos Brasil limitou-se
em disponibilizar um espaço em sua página
na internet. Já o Tecondi, outro gigante da
margem direita, foi procurado pela reportagem, mas
não quis se pronunciar sobre o assunto.
Desperdício
de tempo, espaço e dinheiro
Wilen
Manteli, da ABTP, defende a intervenção
da Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(Antaq) para ser a mediadora de questões que
ainda não estão claras na operação.
Por exemplo, quem paga a conta quando o navio atrasa
e causa o overbook?
Outro
problema apontado por Manteli é o excesso
de contêineres carregados com cargas em
“estado de perdimento” (apreendidas
ou abandonadas). São cinco mil contêineres
encalhados nos portos brasileiros causando um
congestionamento sem precedentes. Se fossem colocados
um atrás do outro, formariam uma fila de
50 quilômetros de extensão, quase
a distância entre São Paulo e a cidade
de Jundiaí, no interior do Estado. |
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Os equipamentos estão espalhados pelos principais
terminais do País à espera de uma destinação
por parte da alfândega, que não tem conseguido
atender ao forte aumento do comércio exterior.
Além dos prejuízos aos donos dos contêineres,
o acúmulo das cargas em perdimento compromete
a capacidade de armazenagem dos portos, que sofrem
há muito tempo com a falta de espaço
em seus pátios e armazéns. Em Santos,
há exemplos de terminais que possuem 200 contêineres
nessa situação.
Há ainda divergências com relação
ao tempo de abertura de gate. Os exportadores afirmam
que o tempo que têm para apresentar a carga
no terminal diminuiu de sete para até cinco
dias. Os terminais negam. A Santos Brasil, por exemplo,
afirma que a abertura de gate é planejada de
acordo com o volume operado e com a sequência
de chegada dos navios. “Atualmente, a Santos
Brasil abre seu gate com um prazo de seis dias antes
da atracação dos navios”, esclarece
Flores.
Já
o diretor da Libra Terminais afirma que o tempo
de abertura permanece o mesmo, ou seja, cinco
dias para carga liberada e sete para carga a liberar.
“Eventualmente, quando ocorre atraso dos
navios, o tempo de gate da embarcação
da semana seguinte pode ser reduzido, uma vez
que evitamos receber carga de dois navios de um
mesmo serviço ao mesmo tempo”, esclarece
Lopes. |
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De acordo com Ronald Moraes, com o crescimento das
exportações de açúcar
e outras commodities, os exportadores de café
estão sentido grande dificuldade em encontrar
contêineres para acondicionar a carga, pois
em muitos casos contêineres específicos
para café são direcionados para outros
produtos, o que também prejudica o cumprimento
dos prazos. “Grande parte dos operadores portuários
disponibilizam janelas limitadas, prejudicando a entrega
de grandes lotes de contêineres, causando custos
extras de armazenagens e ‘detention’,
que são as taxas cobradas quando o contêiner
ultrapassa o período de liberação
para a operação”, explica o coordenador
da COOXUPÉ.
Moraes acredita que a utilização de
outros modais pode evitar atrasos nos portos do país
e o colapso no porto de Santos. “Será
necessário utilizar outros acessos além
do rodoviário, usando terminais em Cubatão
como concentradores de carga e serem levadas ao porto
de Santos, tanto na margem direita, quanto na esquerda,
através de sistema hidroviário com barcaças
e ferroviário, reduzindo o fluxo de caminhões
e emissão de poluentes”, explica. |