O
progressivo incremento da qualidade do café
brasileiro é uma constatação
irrefutável, confirmada tanto pela formidável
segmentação das marcas de café
no mercado doméstico como pelos inúmeros
programas de certificação e as dezenas
de concursos regionais, estaduais e nacionais de qualidade
do produto nos quais se procura selecionar os café
excepcionais que a cada nova safra surgem. Regiões
antes desvalorizadas nos circuitos dos provadores
foram alçadas à condição
de produtoras de especialidades, com características
muito desejadas nas mesas de prova de xícara.
A adoção crescente dos descascadores
para o preparo do tipo cereja descascado permitiu
que os cafeicultores, mesmo situados em zonas não
propícias à produção de
qualidade pudessem produzir cafés de padrão
gourmet. A progressão das vendas dos descascadores
e o conseqüente aumento da oferta de CD, que
soma quantidade bastante expressiva, grosseiramente
estimada entre 3 a 4 milhões de sacas.
O aumento da oferta de produto de qualidade no Brasil
também exibe reflexos significativos nos embarques
do produto. Estimativa elaborada pelo Conselho dos
Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ)
a partir dos registros de embarques indica que, aproximadamente,
10% de todo o volume de café verde exportado
já é composto pelo tipo lavado (de oferta
ainda limitada) e pelo CD (Tabela 1).

Para
entender o assunto
O
mercado de arábicas finos, estabelecido na
Bolsa de Nova York, constitui-se no grande formador
de preços para todas as demais praças
em que se negocia café em âmbito mundial.
Há cerca de sete anos, por iniciativa dos exportadores
brasileiros, houve grande esforço articulado,
visando a obtenção do aceite do registro
de café lavado brasileiro para entrega na Bolsa
de Nova York. Apesar do sério e competente
trabalho desenvolvido, não se obteve o esperado
êxito, pois os lobbies colombianos e centro-americanos
pressionaram a estrutura legislativa estadunidense
que, por sua vez, atuou junto aos administradores
da bolsa no sentido de descartar essa possibilidade.
Recentemente, as autoridades daquela bolsa sinalizaram
com a possibilidade de vir a aceitar o registro de
lavados e semi-lavados brasileiros para entregas no
mercado físico. Essa possibilidade tem sido
amplamente discutida entre os técnicos e agentes
de mercado, suscitando ainda algumas controvérsias.
As autoridades da Bolsa de Nova York sinalizam com
o aceite, pois precisam incrementar fontes de liquidez
para seus negócios, em momento conjuntural
que ocorre forte encolhimento na quantidade de café
certificado naquela praça (Figura 1).

FIGURA
1 – Evolução da Quantidade de
Café Certificado, Bolsa de Nova York, 2000
a jun./2010
Destaca-se ainda que os preços médios
obtidos pelos embarques de produtos lavado e semi-lavado
brasileiros são promissores. Enquanto a cotação
média em 2009 praticada na BM&F para o
natural foi de US$148,25/sc, o preço médio
obtido pelos exportadores nas transações
envolvendo o lavado e semi-lavado atingiu os US$186,90/sc,
diferença essa bastante significativa em reais
após conversão pela taxa média
de câmbio nesse ano. Dentre os países
produtores de café, são os cafeicultores
brasileiros aqueles cujos valores recebidos mais próximos
ficam da cotação de Nova York. Assim,
o exportador, ao obter melhores preços pelo
produto, ainda que fora do circuito da bolsa (pois
essa praça não aceita o produto lavado
brasileiro) transmite essa vantagem aos envolvidos
nessa transação comercial. Portanto,
esse é um benefício que não pode
ser ignorado por nenhum agente desse agronegócio.
A abertura dessa possibilidade de entrega de café
brasileiro na Bolsa de Nova York confere ao produto
do país e, conseqüentemente, aos seus
cafeicultores a possibilidade de virem a participar
do mercado de cafés finos, que se encontra
em processo de expansão exponencial, alavancado
pelas estratégias das transnacionais da torrefação,
que definitivamente internalizaram a estratégia
de agregação de valor ao produto por
meio da venda por dose constituída por ligas
de café de alta qualidade.
Ademais, a chance da Bolsa se tornar um dos possíveis
compradores de café brasileiro amplia a concorrência
pelo produto nacional, com repercussões favoráveis
aos cafeicultores em termos de eficiência da
formação de preços de seu produto.
Ao se estruturar esse mecanismo de formação
de preço para o produto de alta qualidade,
poderá inclusive auxiliar numa mais “justa”
formação de preços para o café
natural. Esses mercados funcionam como vasos comunicantes
e alterações nas cotações
de um tipo rapidamente se transmitem para o outro
congênere.
Outros fatores pró-Nova York podem ser explicitados:
1) a abertura de mais uma alternativa para a venda
do café fortalece o poder de barganha dos cafeicultores
frente aos seus clientes (traders, exportadores, torrefadores);
2) Nova York sempre será um canal de comercialização
de última instância, ainda que se considere
a maior facilidade que é a possibilidade de
entregar em São Paulo, comparativamente, à
sua exportação para aquela praça
e 3) a BM&F poderia criar uma cláusula
dentro de seu contrato de natural com prêmio
para cafés lavados e semi-lavados da mesma
qualidade daquele contado no Contrato C em Nova York.
Com isso seriam estimuladas as operações
de arbitragem, carreando maior liquidez inclusive
para a bolsa paulistana.
A certificação do café brasileiro
por si só contribui para uma formação
de preços mais justa e, conseqüentemente,
melhor para os cafeicultores, que por natureza do
ofício (obviedade necessária), comercializam
café e esperam alcançar rentabilidade
em seu negócio capaz de fazer frente aos custos
incorridos, e que ainda os permita manter um padrão
de bem-estar à altura das exigências
de um país como o Brasil.
Independente da decisão final dos gestores
da bolsa de Nova York, a trajetória para a
cafeicultura brasileira continuará firmemente
apoiada no alicerce da inovação tecnológica/desenvolvimento
com incremento da qualidade por meio de atenção
total ao pós-colheita.
Celso
Luis Rodrigues Vegro
Eng.Agr., MS, Pesquisador Científico
Instituto de Economia Agrícola — celvegro@iea.sp.gov.br
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