O
mercado de café sempre foi sofisticado e complexo.
Neste momento é ainda mais difícil.
É com muita apreensão que registro
minhas reflexões sobre a safra colhida em
2010 e suas consequências para o período
de 2011 a 2014.
Acompanhando o mercado desde 2004, com uma avaliação econométrica,
fica evidente que ele está em risco de
rupturas de fornecimento, principalmente em cafés
da variedade arábica, com bebida lavada ou
despolpada muito fina, conhecidos como Colombian milds
ou milds.
Até maio deste ano, poucas pessoas se mostravam
preocupadas com a questão. Mas, com os preços
atuais, que deverão flutuar em patamares elevados,
temos que refletir muito para construir um modelo
novo de mercado e não quebrar essa importantíssima
cadeia de produção, ora na produção,
ora na comercialização.
Desde os anos 90, a verdadeira oferta de café
no mundo vem crescendo um pouco mais do que 1 milhão
de sacas por ano e a demanda vem crescendo um pouco
menos de 2 milhões de sacas por ano. Parece
uma diferença pequena, mas acumulada faz muita
diferença. E os preços, que deveriam
refletir essa tendência, ficam somente flutuando
em função da percepção
do mercado e não da realidade dos estoques
reguladores. É impressionante o resultado,
se utilizarmos os números informados pela USDA
ou OIC. Se a USDA estivesse certa, o estoque mundial
seria hoje maior que 50 milhões de sacas. Pela
OIC quase 10 milhões de sacas. Como é
possível tanta discrepância, e pior,
os preços recentes e atuais mostram que o mercado
tem que ter no estoque de passagem entre safras, medido
em 30 de junho, de 28 a 30 milhões de sacas,
somando-se o estoque nos países produtores
e consumidores, governamental e privado.
Os preços baixos, por um longo período
desanimaram os produtores e muitos tiveram que abandonar
lavouras ou trocar as culturas. Somando-se a falta
de mão de obra e os custos elevados, a equação
ficou insustentável. Mudanças climáticas
também aumentaram as dificuldades para o plantio
de arábica em algumas regiões do mundo;
sem contar que muitas áreas de café
passaram a receber competição da produção
para os biocombustíveis.
Mas o que é possível fazer? Primeiramente
é necessário identificar os problemas
potenciais e suas causas raiz. Somente conscientizar-nos
de que há risco de desabastecimento repentino
é insuficiente. Devemos aprimorar as estatísticas,
com muita transparência, a fim de reduzir os
absurdos movimentos dos altistas e baixistas, que
tumultuam os mercados e não permitem planos
de longo prazo para o sistema cafeeiro, principalmente
aos produtores que têm sofrido muito.
Devemos olhar a questão do café numa
escala bem maior, tanto temporal como estrutural e
colocar a questão da sustentabilidade econômica
e ecológica como estratégia para toda
a cadeia. Um pacto de cavalheiros, pelo menos no jogo
dos números das previsões, chegando-se
a cifras mais realistas que se sustentem no longo
prazo, é vital neste momento.
Institutos como o CECAFÉ, no Brasil e o OIC,
entre outros, poderiam trabalhar nas causas raiz e
propor uma construção de hipóteses
e cenários de curto, médio e longo prazo
para a cadeia como um todo, analisando medidas alternativas
de estímulo e compensação para
os produtores, que são o início da cadeia
e a base de tudo. O jogo dos ganhos e perdas no modelo
Wall Street já colocou bancos e sistema financeiro
em apuros, mas lá o problema é corrigido
com a emissão de moeda e a ajuda dos bancos
centrais. No café, ainda não aprendemos
a imprimir grãos verdes nem temos um banco
central de grãos para garantir o fluxo de moeda
aos países em risco. O mercado de café
vive sofrendo de bolhas de oferta e bolhas de demanda,
matando os menos avisados e mais fracos, destruindo
sistemas sociais e humanos.
Somente a produção equilibrada, pelos
próximos dez anos poderá ajustar essas
arriscadas distorções. Se no passado,
o “Não” saber exato era uma parte
importante do jogo, agora o importante é o
“Saber”, para resguardar o elo mais fraco
da cadeia.
Precisamos também compreender muito bem quais
são os custos corretos para cada saca de café,
em cada país, e construir um modelo de equivalências
reguladoras. Também devemos contratar estudos
sobre os impactos, em cada espaço produtor,
das consequências e das dificuldades da produção
na montanha, da mão de obra que está
mais escassa e dos outros setores que estão
competindo diretamente, das dificuldades de financiamento
para os pequenos e da produção que vem
caindo em muitos países.
Também há a necessidade de se começar
a precificar os cafés pela qualidade, em cinco
grupos (robusta, robusta fino, arábica natural,
arábica fino, arábica extrafino) por
conta da importância de cada um na sua aplicação,
como o mercado automaticamente vem fazendo. Seria
somente ler o que o mercado vem precificando.
Cada vez mais o mercado vem valorizando os pouquíssimos
cafés lavados e despolpados extrafinos, uma
tendência clara, ao mesmo tempo em que o robusta
vem se desvalorizando. Muitos poderiam culpar os preços
elevados somente pela acentuada queda de cafés
finos, em função da crise de produção
na Colômbia. Mas não é só
isso. O problema é estrutural.
Muitos compradores internacionais, assim como a indústria,
poderiam colocar parâmetros mínimos para
compras dos produtores, com seus contratos resguardados
por uma câmara de compensação.
O quadro para 2010/14 é caótico. O equilíbrio
entre a oferta e a demanda vai gerar riscos de desabastecimento
turbulento ou preços exagerados, que provocarão
crises cíclicas a cada quatro anos. Os estoques
reguladores muito baixos são possíveis
hoje por conta da melhoria da logística e da
comunicação, mas chegaram ao piso mínimo
para sustentar uma cadeia de produção
do consumo muito defasada e com tempo mínimo
entre produtores e consumidores.
Trabalhar com estoques totais abaixo de três
meses é o que basta para os preços ficarem
loucos mediante qualquer notícia de frio, chuva
ou seca. A questão do arábica fino é
ainda mais crítica e não há previsão
de melhora no curto prazo.
A conclusão é simples: os produtores
e os consumidores precisam desenhar uma estratégia
sustentável e viável, para não
permitir o colapso da cadeia. Se os preços
subirem demasiadamente, é ruim, pois haverá
uma forte tendência dos produtores ampliarem
plantios irracionais, endividando-se, o que fatalmente
levará a uma super-safra e nova onda de preços
baixos que podem quebrá-los.
A gangorra de preços e produção
pode levar a cadeia do café para uma maior
concentração de indústrias e
traders, quebras na produção, criando
uma nova crise em mais quatro anos e problemas sociais
enormes; sem contar que poderá jogar pequenos
produtores para alternativas não recomendáveis.
Luís
Norberto Pascoal
Diretor Presidente da Daterra Atividades Rurais
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